Chico Mendes – Foto: Divulgação
POR – CLÁUDIO C. MARETTI* / NEO MONDO
*O conteúdo é verdadeiro. Infelizmente. Mas a mensagem é falsa! Infelizmente.*[1]
O que a manchete e, de certa maneira, o próprio conteúdo, não dizem é que:
– a grande maioria (95%) da Reserva Extrativista (ResEx) (federal) Chico Mendes não está desmatada e essa grande parte está muito menos pressionada que essa parcela menor;
– a grande maioria das famílias tradicionais extrativistas continua como tal, vivendo do extrativismo, convivendo com a floresta, e a protegendo, sem a desmatar, mas são aquelas que vivem em outras partes da ResEx;
– grande parte do desmatamento é devido a uma área com ocupantes irregulares e produtores ilegais, não extrativistas;
– uma parte importante do desmatamento é devido a extrativistas que deixaram a atividade e passaram a se dedicar à pecuária, estimulados pelo mercado irregular, como diz a reportagem, mas esses extrativistas são franca minoria e estão relativamente concentrados; e
– ambos grupos, os ocupantes e produtores ilegais e os extrativistas irregulares, vivem ou atuam em áreas relativamente próximas da BR-317, que passa perto e liga Rio Branco e Xapuri, mas vai além (e também é chamada “Estrada do Pacífico” depois que passou a conectar com o Peru); entre outros aspectos.
Queimadas na Amazônia – Foto: Divulgação
Há muito que se sabe que há maior desmatamento na Reserva Extrativista (ResEx) (federal) Chico Mendes do que deveria, do que as demais reservas extrativistas.
E agora nos damos conta que a “nova política” (aquela que se apregoa como “acima da política e das ideologias”, depois de “tudo o que veio antes”) promove maior degradação – como bem diz a reportagem.
Concorrem na promoção da destruição duas correntes. Por um lado, as diretrizes do governo federal, com os discursos daquele que é presidente da República (sem conseguir governar como tal para todos os brasileiros), com o (des)ministro da (Destruição) do Meio Ambiente se reunindo com e apoiando ocupantes e pecuaristas irregulares, desmatadores ilegais, grileiros, que são a principal causa do desmatamento da ResEx Chico Mendes, em uma muito especifica das suas regiões, e com a redução ou extinção de políticas públicas de apoio ao extrativismo tradicional, às comunidades extrativistas e à conservação da natureza, das florestas e dos rios e da Amazônia – como bem associa a reportagem. Por outro lado, o “novo” governo do Acre vem reduzindo ou acabando com as políticas públicas em apoio a conservação e uso sustentável das florestas (que começou com a “Florestania” (cidadania florestal) de Jorge Viana).
Fabiano Maisonnave, que assina a reportagem com Lalo de Almeida, é jornalista reconhecido e respeitado. Eu o admiro. Não creio em nenhuma má intenção. Mas preciso vir a público com o outro lado da verdade, para melhor informação e decisão da sociedade. Talvez tenha havido intervenção de um editor com menor conhecimento, talvez tenha havido pouco tempo para que os repórteres pudessem conhecer toda a ResEx e a realidade mais ampla das comunidades extrativistas, talvez haja outras partes de uma série. Mas, no momento, a mensagem é equivocada.
Como as florestas, os rios, a Amazônia e os conhecimentos tradicionais são importantes para toda a sociedade, como as comunidades extrativistas tradicionais têm direitos, como o melhor modelo de desenvolvimento sustentável do Brasil passa pelo uso sustentável da biodiversidade (da qual o país e a Amazônia são campeões no mundo), o fundamental seria continuar e fortalecer políticas que os favorecessem, de forma concreta, em lugar de subsídios, apoios políticos e mecanismos comerciais perversos, que só reconhecem as atividades predatórias – predatórias da floresta, dos rios, das comunidades tradicionais, dos serviços ambientais e do futuro, dos amazônidas, dos brasileiros, das sociedades em todo mundo!
*CLÁUDIO C. MARETTI – especialista em áreas protegidas e relações entre sociedade e natureza (também ex-dirigente de órgãos federal (ICMBio) e estadual (Fundação Florestal de São Paulo) de áreas protegidas e apoio ao desenvolvimento sustentável, coordenador do “III Congreso de Áreas Protegida de Latinoamérica y el Caribe (III CapLac)”, realizado em outubro de 2019, em Lima, Peru, membro e autoridade regional de Comissão Mundial de Areas Protegidas da UICN, membro do Coletivo Socioambiental de Atibaia, entre outras atividades).