Pandemia exigiu plano emergencial para atender povos da Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal – Foto: © Roberto Maridoprado/WWF-Brasil
POR – WWF-BRASIL / NEO MONDO
Historicamente excluídos de políticas públicas, povos indígenas e tradicionais ficaram especialmente vulneráveis ao coronavírus
No início de abril, já estava claro que, com a crise sanitária desencadeada pela pandemia de Covid-19, as populações indígenas e tradicionais da Amazônia, historicamente excluídas de políticas públicas, poderiam se tornar vítimas de um genocídio. No dia 9 daquele mês, um adolescente Yanomami morreu de complicações decorrentes da infecção pelo novo coronavírus, espalhando o temor entre lideranças indígenas, profissionais da saúde, procuradores do Ministério Público Federal, parlamentares e mais de 100 organizações da sociedade civil, que se posicionaram diante dessa ameaça.
O WWF-Brasil reivindicou que o governo brasileiro agisse para retirar invasores que levavam a doença às Terras Indígenas. As mais de 100 organizações também assinaram um manifesto lançado pelo Fórum Permanente em Defesa da Amazônia, demandando uma série de ações de segurança alimentar e saúde de populações indígenas e tradicionais.
Antes do fim de maio de 2020, a pandemia de Covid-19 já havia matado 25 mil pessoas e havia mais de 400 mil infectados. A situação dos povos indígenas e populações tradicionais era especialmente grave, por sua dificuldade de acesso a testes e a hospitais -seja pela distância geográfica dos centros de saúde, ou pela indisponibilidade de equipes médicas. Diante desse cenário e do descaso do governo, ações emergenciais se faziam necessárias.
Atendimento emergencial
O WWF-Brasil colocou em ação um plano emergencial para atender afetados na Amazônia e no Cerrado, com a doação de alimentos, produtos de higiene, EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e outros materiais. Em maio, estavam sendo atendidas mais de 7 mil famílias indígenas e 100 trabalhadores de cooperativas agroextrativistas, com mais de 15 toneladas de alimentos.
Em julho, mais de 1.650 indígenas Uru-Eu-Wau-Waus, Xavantes e Kayapós, de Rondônia, Mato Grosso e Pará, receberam 284 cestas básicas com alimentos e produtos de higiene. A ação já apoiava então mais de 30 mil pessoas na Amazônia e no Cerrado.
Como parte da ação emergencial traçada pelo WWF-Brasil para apoiar os mais vulneráveis, em meados de julho, foram doadas 100 cestas básicas para mães e esposas de presidiários do maior complexo prisional de Pernambuco, o Aníbal Bueno, em Recife. Essas mulheres foram atendidas por meio da Organização Cores do Amanhã, nossa parceira. Também com apoio de parceiros locais, doamos, naquele mês, 233 cestas básicas com alimentos, máscaras e produtos de higiene a 233 famílias das Resex Ituxí e Médio Purus, em Lábrea, no sul do Amazonas.
Com o apoio do ISPN (Instituto Sociedade População e Natureza), em agosto, doamos cestas básicas a 412 famílias indígenas de 13 aldeias das Terras Indígenas Geraldo Tocu Preto, Rodeador, Morro Branco e Cana Brava, localizadas no centro-oeste do Maranhão. No total, foram doados 4.223 quilos de alimentos.
No início de setembro, quase 800 indígenas já haviam morrido de Covid-19 e havia mais de 29 mil infectados em 156 povos diferentes. Com a liderança da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e suas organizações indígenas de base, o WWF-Brasil se uniu a diversas instituições, para instalar quatro UAPIs (Unidades de Atenção Primária Indígena) em quatro aldeias da Amazônia, nos estados do Pará, Acre e Amazonas. Cada Unidade de Atendimento é munida de equipamentos mínimos para atender pacientes acometidos pela Covid-19, como concentradores de oxigênio, oxímetros, cilindros de oxigênio, acessórios para oxigenoterapia e medicamentos.
Foto – Divulgação
A pandemia de Covid-19 também exigiu a tomada de ações para atenuar a situação crítica de comunidades tradicionais da Mata Atlântica. Em outubro, nos unimos a outros parceiros para doar 1.221 cestas com alimentos e produtos de higiene, atendendo 650 famílias de indígenas, camponeses e caiçaras da região litorânea do estado de São Paulo. Com sua cultura fortemente ligada à pesca artesanal, essas comunidades tiveram dificuldades para pescar e para vender seus produtos durante a pandemia.
No fim de novembro, uma a parceria firmada entre o WWF-Brasil, a Cese (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil), a Opan (Operação Amazônia Nativa) e a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) levou insumos para garantir o sustento de 927 famílias e proteção de 54 aldeias em oito Terras Indígenas dos municípios de Humaitá, Boca do Acre, Pauini e Lábrea (AM).
Além dessas ações de apoio direto à parceiros e organizações locais, diversas campanhas de coalizões e organizações indígenas, de povos tradicionais, ribeirinhos, agroextrativistas e quilombolas foram divulgadas nas redes sociais do WWF-Brasil.
Renda Básica Emergencial
Para enfrentar a crise gerada pelo Covid-19, o WWF-Brasil apoiou em março a campanha Renda Básica Que Queremos, uma grande articulação da sociedade civil, lançada no dia 20 daquele mês, que propôs a garantia de uma renda básica emergencial mensal de R$ 300, pelo período de 6 meses, para todos os 77 milhões de cidadãos registrados no Cadastro Único.
Lançada pela Coalizão Negra por Direitos, o Nossas, a Rede Brasileira de Renda Básica, o INESC e o Instituto Ethos, a campanha foi assinada por 130 instituições e organizações de diversos espectros, incluindo o WWF-Brasil.
Apenas 10 dias depois, no fim de março, 450 mil cidadãos e 130 entidades já apoiavam a proposta. De acordo com ela, as famílias mais pobres, que possuem em média quatro pessoas, teriam direito a um benefício mensal de R$ 1.200. Algo bastante diferente da proposta que havia sido aprovada pelo Senado naquele momento: R$ 600 por pessoa adulta, limitado a duas pessoas por família, por três meses.
A mobilização conseguiu atenção de deputados que influenciaram na melhoria da proposta inicial do governo. A proposta foi sancionada em 1o de abril pela presidência da República. Dias antes, o projeto Renda Básica brasileira foi apresentado no Festival Digital Hora do Planeta 2020, e foi discutida em um bate-papo com membros da Rede Brasileira da Renda Básica, da Coalizão Negra por Direitos e do WWF-Brasil. A principal conclusão foi que a Renda Básica não deve ficar restrita ao período de crise do coronavírus. A pauta é de extrema importância para diferentes setores, já que é impossível dissociar as questões ambientais do bem-estar humano.
Em junho, as 162 organizações e movimentos da campanha Renda Básica que Queremos fizeram um levantamento dos 20 principais problemas na implementação pelo governo Bolsonaro. Um relatório detalhado também foi divulgado.
Crises sanitárias e natureza
Ao longo do ano, foi ficando cada vez mais clara a conexão entre a conservação da natureza e a luta contra a pandemia. A ciência mostraria, por exemplo, que o tráfico de animais, o desmatamento e as mudanças climáticas estão entre os fatores de risco para novas crises sanitárias como a provocada pelo novo coronavírus. Manter a integridade das florestas, UCs (Unidades de Conservação) e Terras Indígenas, segundo os cientistas, é fundamental para conter a perda da biodiversidade e evitar novas pandemias.
Um estudo patrocinado pelo WWF-Brasil e pela Ambev, divulgado em outubro, mostrou que 71% dos brasileiros priorizam reestruturar a economia para lidar com as desigualdades e as mudanças climáticas como mais importante que a recuperação rápida da economia. A pesquisa “Vida Saudável e Sustentável 2020: Um Estudo Global de Percepções do Consumidor” também mostrou que 92% dos brasileiros concordam que devemos responder à crise climática com a mesma urgência que a pandemia.
Portanto, é preciso defender que os pacotes de recuperação da economia, após a pandemia, levem em conta a economia verde e a justiça socioambiental.