Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – Foto: Divulgação
POR – FELIPE WERNECK, DO FAKEBOOK.ECO / NEO MONDO
Carta assinada por mais de 600 funcionários denuncia prejuízos “sem precedentes” com nova regra de fiscalização determinada pelo ministro do Meio Ambiente
A fiscalização do Ibama parou. Em carta divulgada nesta terça-feira (20/04), mais de 600 servidores do Instituto afirmam que “todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e paralisado”. É uma reação à Instrução Normativa Conjunta (INC) 01, publicada no dia 14/04 pelo ministro Ricardo Salles e pelos presidentes do Ibama, Eduardo Bim, e do ICMBio, Fernando César Lorencini. A nova norma resultará em “prejuízos sem precedentes à proteção ambiental”, denunciam os servidores.
A INC 01 alterou o processo de apuração de crimes ambientais e cobrança de multas. Até a manhã desta quarta (21), 606 servidores haviam assinado a carta. O grupo afirma que a norma foi construída sem consulta à área técnica. Entre as mudanças, os servidores agora são obrigados a apresentar relatórios antes de uma ação fiscalizatória, e não depois, como ocorria até então. A nova regra tira autonomia dos fiscais e cria prazos considerados impossíveis de serem cumpridos, avaliam os servidores. Em casos de flagrante, o fiscal não poderá lavrar a multa antes de emitir um relatório, que deverá ser submetido para aprovação de um “superior hierárquico”, critica o grupo. No Ibama e no ICMBio, cargos de chefia foram loteados entre pessoas indicadas pela atual gestão, que não são servidores concursados, como os policiais militares de São Paulo que comandam a fiscalização.
Na carta, o grupo relata que muitos estão pedindo para deixar a função de fiscal porque não têm condições mínimas de trabalho. “Todos os servidores que assinam a presente carta declaram que estão com suas atividades paralisadas pelas próprias autarquias, Ibama e ICMBio, que não providenciaram os meios necessários junto aos sistemas e equipamentos de trabalho disponíveis para o exercício da atividade de fiscalização ambiental federal, análise e preparação para julgamento de processos de apuração de infrações ambientais”, alerta a carta.
Gestores do Ibama reconheceram que não é possível cumprir a nova norma ao enviar dois ofícios circulares com orientação geral para que seja seguida a instrução normativa anterior, que foi revogada. “Por óbvio, consideramos que se trata de orientações irregulares, uma vez que estão em conformidade com norma que já não existe no ordenamento, o que fere o princípio da legalidade do ato administrativo”, afirmam os servidores.
De acordo com o grupo, essas orientações “soam como tentativa de dividir com os servidores a responsabilidade pelas sérias consequências causadas pela publicação (da nova norma)”.
Em reunião de trabalho por videoconferência, o policial militar nomeado para coordenar o setor de apuração de infrações ambientais no Ibama, o tenente-coronel Wagner Tadeu Matiota, afirmou que a norma será mantida e que se trata de uma “evolução” em relação à regra anterior. “É uma mudança cultural”, declarou. “A fiscalização vai ter que se reinventar. É inovação. Esse é o conceito da alta administração. A norma está publicada e vai ficar.” Matiota ameaçou adotar medidas contra servidores que não seguirem as novas orientações.
Durante a reunião, o coronel ouviu de um analista ambiental que a INC 01 foi apresentada de forma “sorrateira”. “Vocês conseguiram paralisar o Ibama”, disse outro servidor ao coordenador.
“Registramos que, no momento, os meios necessários para o estrito cumprimento do nosso trabalho não estão disponíveis e que todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se comprometido e paralisado frente ao ato administrativo publicado. O resultado imediato e inevitável é a potencialização da sensação de impunidade, que é apontada como uma das principais causas do aumento do desmatamento na Amazônia, bem como de outros crimes ambientais no país”, destaca o grupo na carta.
A denúncia ocorre na antevéspera da cúpula climática convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, na qual se espera um discurso de Jair Bolsonaro. Integrantes governo afirmaram a veículos de imprensa que o líder do regime brasileiro faria um “gesto explícito” ao presidente americano, supostamente no sentido de compromissos com a redução do desmatamento e a proteção do clima, prioridade de Biden.