Imagem – Tereza de Benguela/Divulgação
POR – JOSY SANTOS*, ESPECIAL PARA NEO MONDO
Em 25 de julho celebra-se o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data, que foi instituída em 1992, é a mesma que no Brasil homenageia a líder quilombola Tereza de Benguela, símbolo de luta e resistência do povo preto. Tal qual o Dia Internacional da Mulher, a data tem como objetivo fortalecer e dar visibilidade às organizações com foco em mulheres que são impactadas pela discriminação racial, social e de gênero.
A história de vida de Benguela evidencia que mulheres negras há décadas protagonizam histórias de liderança e empreendedorismo. Por isso, é fundamental destacar que as práticas empreendedoras nasceram de um contexto de necessidade e subsistência, assim como a inserção da população negra no mercado de trabalho não se deu pelo trabalho formal, mas sim pelo empreendedorismo. A partir desses apontamentos fica evidente a importância e necessidade de analisar as interseccionalidades raça, gênero e condição social quando abordamos o tema empreendedorismo feminino no Brasil.
Nesse contexto, pesquisas como Os Donos de Negócio no Brasil: análise por raça/cor (2001 a 2014), realizada pelo SEBRAE, Empreendedorismo Negro no Brasil 2019, realizada pela Feira Preta, e a recente Pesquisa Afroempreendedorismo Brasil, realizada em parceria com a Inventivos e Movimento Black Money e RD Station, trazem um olhar sobre as práticas empreendedoras vivenciadas pela população negra e evidenciam que o empreender, em sua maioria, tem relação não apenas com questões de mobilidade socioeconômica, mas também com a representatividade e realização profissional.
Entretanto, estudos recentes vêm apontando novas segmentações quanto ao perfil do empreendedorismo negro no Brasil, destacando-se três. O primeiro, que antes por questões estruturais davam-se em sua totalidade por necessidade e falta de oportunidade no mercado de trabalho formal, dá espaço hoje para um perfil de vocação, que é quando a pessoa empreende para realização de um sonho ou por percepção de uma oportunidade de mercado. Já o terceiro perfil, nomeado de engajado, passa a ser caracterizado por um empreender inovador, que trabalha em rede, com parceiros que priorizam outros negros e favorece a articulação de sua cultura e seus produtos.
O primeiro perfil tem por característica ser solitário e encontrar a falta de autopercepção como empreendedor, dado os padrões impostos pela sociedade, como uma das principais barreiras. O segundo é reconhecido por ter familiaridade com a atividade e desejo de ser autônomo, às vezes somados a dificuldade em se adequar no mercado de trabalho. Já o terceiro, enxerga o afroempreendedorismo como um processo de cura da discriminação e oportunidade de trabalho. Se destacam pela autodenominação como afroempreendedores.
Foto – Pixabay
Além das motivações, há também evidências recentes de que o afroempreendedorismo é, em sua maioria, feminino, solitário e está fortemente ligado ao comércio, a comunicação e a indústria do cuidado. Acrescido de que toda ideia de empreender vem de uma dor e muitas destas dores estão ligadas à questão racial, reforça-se a ideia de que a prática empreendedora acontece, em boa parte, por uma necessidade de representatividade e empoderamento da população negra.
Com mais de 13 décadas de um empreendedorismo marcado praticamente 100% pela necessidade, identifica-se que a forma de empreender vem finalmente ganhando novas motivações e características. Sendo possível hoje encontrar empreendedoras com negócios cada vez mais inovadores e com propósito de promover impacto socioambiental positivo.
Nesse sentido, em especial ao Julho das Pretas, faz-se necessário evidenciar algumas dessas mulheres negras que hoje representam a metade das donas de negócios no país, segundo o relatório citado produzido pelo SEBRAE, e que movimentam mais de R$ 1,73 trilhão por ano e de 56% da população do País, segundo a mesma fonte.
Diante deste cenário, pergunto: quantos negócios de sucesso liderados por mulheres negras você conhece?
Se as mulheres negras são a maioria da população empreendedora do país desde 1800, é plausível crer na existência de muitas histórias de sucesso para contar, porém, muitas dessas não são evidenciadas como os cases estrangeiros ou de negócios predominantemente masculinos. E, considerando que inovar é resolver problemas complexos em ambientes de altas incertezas, há muito o que se compartilhar a partir da vivência da mulher negra brasileira.
Elas estão no bairro onde você mora, em seu ciclo de amizades, relacionamentos profissionais e diversos programas de aceleração existentes. Entretanto, parece que a falta da conectividade e acesso à internet no território brasileiro ou até mesmo o racismo estrutural, não tem dado o merecido espaço para que estas apareçam.
Tratando-se de sociedade com mais da metade de sua população formada por pessoas negras, é importante ressaltar que as mulheres pretas se desenvolvem dentro de uma estrutura machista, preconceituosa e racista. Logo, seu desenvolvimento socioeconômico só se dará de forma justa, sustentável e igualitária quando existir um ambiente de igualdade de oportunidades.
Em vias práticas, há uma necessidade urgente de se aplicar a lente da interseccionalidade no que diz respeito ao empreendedorismo feminino e trabalhar de forma a mitigar os impactos negativos do racismo, sexismo, preconceitos e desigualdades sociais presentes nas trajetórias de mulheres negras empreendedoras.
Por fim, é importante lembrar que ao potencializar os negócios protagonizados por essas mulheres, também potencializa-se famílias, comunidades e ecossistemas. Afinal, já dizia Angela Davis: “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.
*Josy Santos – Consultora especialista em empreendedorismo feminino na Semente Negócios.