Foto – Divulgação
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Pela primeira vez, uma equipe consegue coletar sêmen do raro animal de apenas 30 centímetros. Um passo importante para a conservação da espécie
De pelagem densa e curta, com coloração amarelo-dourada, o tamanduaí (Cyclopes didactylus) é a menor espécie de tamanduá encontrada no mundo, medindo cerca de 30 centímetros e pesando no máximo 400 gramas. O animal é classificado pela IUCN (International Union Conservation of Nature) com status de dados deficientes (DD) devido ao pouquíssimo conhecimento existente sobre ele. Agora, uma equipe de pesquisadores brasileiros, única a estudar o tamanduaí no mundo, deu um enorme passo para suprir essa lacuna e avançar na proteção da espécie rara e desconhecida: conseguiu coletar sêmen de um macho adulto, criando uma estrutura para trabalhar a reprodução assistida.
“É a primeira vez que conseguimos coletar sêmen”, comemora a médica veterinária Flávia Miranda, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), que trabalha para compreender o comportamento e a morfologia da população de tamanduaís no Nordeste brasileiro. “O jogo da conservação virou 100%. Demos o primeiro passo para criar um plano estruturado, que permitirá trabalhar a reprodução da espécie e aumentar o número populacional.”
O projeto, que recebe o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, passou a contar com uma base avançada de pesquisa e um laboratório de campo completo, com gerador, microscópios, centrífugas e balão de nitrogênio. Com isso, todas as análises passam a ser feitas in loco, em tempo real e com armazenamento adequado, sem a necessidade de deslocamento do material. Agora é possível – além de fazer um levantamento da área de vida, uso de espaço, hábito alimentar e comportamento do tamanduaí com auxílio da telemetria e observação direta – gerar conhecimento sobre taxonomia, sistemática, ecologia e distribuição na natureza.
“Com o sêmen coletado e testes convencionais realizados, vamos conseguir iniciar uma nova fase, fazer pesquisa reprodutiva monitorada. Manter uma população mínima saudável e geneticamente viável de tamanduaí em cativeiro permite ampliar o nível de conhecimento sobre a espécie e dar suporte aos indivíduos de vida livre. Esta é uma das ferramentas para evitar a extinção e realizar a reintrodução no habitat natural, caso seja necessário”, explica Flávia.
Foto – Flávia Miranda
A distribuição original do tamanduaí inclui as florestas tropicais da América Central e da América do Sul. No Brasil, acreditava-se até recentemente que ela só ocorresse na Floresta Amazônica. No entanto, a descoberta da ocorrência da espécie na região Nordeste do país, mais especificamente no Delta do Parnaíba, entre os estados do Piauí e Maranhão, fez com que esta fosse considerada uma subpopulação isolada.
Pouco ainda se sabe sobre estes pequenos animais e não se tem ideia do número de tamanduaís que vivem no litoral nordestino. Também conhecido como tamanduá-fantasma, pois raramente desce ao chão, é um animal de hábito noturno, vive sozinho e se alimenta predominantemente de formigas. Sua gestação dura aproximadamente dois meses e meio, normalmente com o nascimento de apenas um filhote. “É raro e difícil de ser avistado. Em oito dias de procura, conseguimos avistar e capturar para estudos apenas oito animais. E a coleta de sêmen só foi possível em um deles”, completa a pesquisadora.
A grande carência de conhecimento sobre o tamanduaí e, em particular, sobre esta subpopulação nordestina, aliada à crescente degradação do ambiente onde ela ocorre, torna urgente a realização de estudos sobre sua biologia e ecologia, que subsidiem a implementação de futuras estratégias de conservação. “A falta de conhecimento sobre o tamanduaí demonstra a necessidade de implementação de ações para a conservação dos ecossistemas costeiros brasileiros, onde podem viver populações que ainda não foram notificadas”, avalia a bióloga, mestre em zoologia e gerente de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, Marion Silva. “É esse conhecimento que abrirá caminho para que políticas públicas sejam implementadas para que a espécie e seu habitat sejam protegidos”, conclui.
A importância do Delta do Parnaíba
A Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba é ponto de encontro de trechos de Cerrado, Mata Atlântica nordestina, Amazônia e Caatinga, e ainda com manguezais e restingas. Uma unidade de conservação de extrema importância do ponto de vista biológico. É considerado um dos ecossistemas mais produtivos do planeta, formando uma ecorregião crucial para a conservação da biodiversidade em nível regional e global.
Segundo a publicação Oceano sem mistérios: desvendando os manguezais, organizada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, estima-se que 25% dos manguezais brasileiros já tenham sido destruídos, sendo que os que ainda restam estão vulneráveis a uma série de ameaças. Os manguezais do Delta do Parnaíba não fogem desse padrão e encontram-se ameaçados por diversas atividades humanas. A ocupação desordenada ao longo da costa vem causando perda e fragmentação deste habitat, diminuição significativa da qualidade das águas, dos recursos vivos e, em geral, de todo o bem-estar do ecossistema.
O litoral do Piauí apresenta a menor faixa litorânea da costa brasileira com 66 km e está integralmente situado na Área de Proteção Ambiental do Delta do Parnaíba, formada por pequenas enseadas e quatro zonas estuarinas (rio Parnaíba, rio Portinho, rio Camurupim, rio Ubatuba/Timonha), cuja vegetação predominante é a de manguezal – Foto: Museu da Vila