Foto – Caio Salles
POR – REDAÇÃO NEO MONDO
Pesquisadores encontraram novas ocorrências de plantas, artefatos arqueológicos e capturaram, pela primeira vez no local, espécie rara de morcego
Uma expedição multidisciplinar inédita, promovida pelo Projeto Ilhas do Rio e ICMBio, reuniu pesquisadores de flora, mastofauna (mamíferos terrestres) e arqueologia em busca de novas descobertas no cume da Ilha Redonda, a maior das ilhas que compõem o Monumento Natural das Ilhas Cagarras (MONA Cagarras), no Rio de Janeiro. O grupo passou três dias acampado na parte mais alta da ilha, onde foram registradas novas ocorrências de plantas e, também, novos registros de artefatos arqueológicos. Pela primeira vez, pesquisadores da mastofauna estiveram no local e o resultado foi surpreendente: mais de 40 exemplares de morcegos da espécie Tonatia bidens foram capturados, o maior número até agora, desde que as pesquisas de mamíferos terrestres foram iniciadas, em 2019.
Desde 2015, os pesquisadores não iam até o cume da Ilha Redonda, que compõe o MONA Cagarras, formado ainda pelas Ilhas Comprida, Palmas e Cagarra e os filhotes da Cagarra e Redonda. Distante 9km da praia de Ipanema, seu ponto mais alto fica a 260 m de altura do nível do mar. É lá que mais de cinco mil fragatas vivem, tornando a ilha um dos maiores ninhais da espécie do Atlântico do Sul. Foi também nesta ilha que, em 2011, os arqueólogos registraram a existência de um sítio arqueológico Tupiguarani e a equipe de botânica identificou a presença da Gymnanthes nervosa, uma espécie de planta que não era vista no município do Rio de Janeiro desde 1940.
Com a expedição, a equipe de mastofauna do projeto, coordenada pela pesquisadora Julia Luz, pode subir pela primeira vez ao cume da Ilha Redonda para verificar a existência ou não de roedores (que haviam sido vistos em anos anteriores na Ilha Comprida) e de morcegos, os únicos mamíferos terrestres voadores. Felizmente, não houve qualquer registro de ratos exóticos invasores, já que essa espécie é uma grande ameaça às fragatas e atobás-marrons por se alimentar dos seus ovos.
“Em relação aos morcegos, confirmamos que o MONA Cagarras é mesmo o arquipélago das Tonatia bidens, espécie mais capturada até o momento. Só na primeira noite pegamos 37. Não esperávamos tantas!”, comemora Julia. Segundo a pesquisadora, essa é uma espécie muito pouco estudada por ser pouco capturada, o que torna o MONA Cagarras um local ideal para entender a biologia e a ecologia desse morcego. Além disso, a literatura diz que essa é uma espécie bioindicadora de que a região é preservada. Vale ressaltar que a única ilha em que a espécie não foi capturada foi na Ilha Comprida, coincidentemente, a mais impactada. “O interessante dessas pesquisas é que têm aspectos práticos aplicados, que auxiliam no manejo e conservação da UC e tem muito potencial de desenvolvimento teórico em diversas áreas dentro da biologia”, complementa.
Entre as descobertas feitas nesse retorno pelo pesquisador Massimo Bovini, responsável pelo inventário de toda a flora do MONA Cagarras, estão as espécies N. cruenta e Smilax stenophylla, encontradas pela primeira vez na ilha. A Gymnanthes nervosa, vista pela última vez em 2015, permanece em excelente estado e se reproduzindo. “Retornar após sete anos foi incrível, a vegetação cresceu, ou seja, se adensou mais, principalmente na trilha para o cume. Inclusive, avistamos espécies da flora não vistas anteriormente. Será que passaram despercebidas ou chegaram lá recentemente? Tirando essas novas ocorrências, parece que os registros antigos realizados já oferecem uma excelente ideia da composição florística local”, diz Massimo.
Outra boa surpresa foi a presença da batata doce (Ipomoea batatas), que para a equipe de arqueologia significa mais uma evidência de que indígenas frequentaram o cume da Ilha Redonda, cerca de 600 anos atrás. Isto porque a batata doce que conhecemos é uma planta domesticada, com reprodução vegetativa, ou seja, dependente da ação humana e não surge de forma espontânea no ambiente. Para estar em algum lugar, ela tem que ter sido plantada. “Acredita-se que os tubérculos serviam não só para alimentação, mas também para produzir bebidas e que a Ilha Redonda era uma espécie de local sagrado para eles, onde realizavam rituais religiosos”, comenta Leonardo Waisman, arqueólogo do Museu Nacional presente na expedição.
Além do tubérculo, foram encontrados diversos fragmentos de vasilhas cerâmicas e artefatos de pedra. “A gente encontra fragmentos de vasilhas por todo o sítio. É um material que não é orgânico, não é perecível. Pode ser que tenhamos, por exemplo, microvestígios vegetais de uma batata-doce cozida aqui dentro”, diz. Os pesquisadores aproveitaram a oportunidade e coletaram uma amostra da planta para repor o exemplar que fazia parte da coleção científica do Museu Nacional e havia se perdido no incêndio ocorrido em 2018.
PROJETO ILHAS DO RIO/HISTÓRICO – Um projeto de pesquisa e educação ambiental para conservação marinha!
Há mais de uma década, o Projeto Ilhas do Rio iniciou suas atividades no MONA Cagarras, Unidade de Conservação (UC) situada no Rio de Janeiro, registrando mais de 650 espécies de animais e plantas, entre elas, algumas raras, endêmicas e inéditas para a ciência.
Recentemente, as Ilhas Cagarras e Águas do Entorno receberam o título de Hope Spot (Ponto de Esperança). Esse importante reconhecimento é dado pela Mission Blue, uma aliança internacional liderada pela dama da conservação marinha, Dra. Sylvia Earle. Os Hope Spots são locais cientificamente considerados como críticos para a saúde do oceano e as importantes descobertas realizadas pelo Projeto permitiram essa conquista.
O pioneirismo do projeto possibilitou descobertas preciosas, como, uma espécie de perereca endêmica, que só existe ali; uma espécie de árvore, a Gymnanthes nervosa, que não era encontrada no município desde 1940. Também foram catalogadas esponjas-do-mar com propriedades medicinais, como a Petromica citrina (ou esponja-dourada), e outras ameaçadas, como a esponja-carioca Latrunculia janeirensis, uma das espécies marinhas que consta na categoria Vulnerável do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, publicado pelo ICMBio (2018). Para completar, pesquisadores descobriram um sítio arqueológico Tupiguarani na Ilha Redonda, onde também foram contabilizadas mais de cinco mil fragatas, tornando oficialmente o MONA Cagarras um dos maiores ninhais da espécie do Atlântico do Sul.
Uma das principais missões do projeto é subsidiar órgãos tomadores de decisão com dados científicos produzidos com suas pesquisas, para criação de políticas públicas de conservação ambiental para o litoral carioca. Dentre as pesquisas do projeto, destacam-se o monitoramento a longo prazo de baleias, golfinhos, tartarugas e peixes. A pesquisa inédita para diagnóstico da mastofauna terrestre (mamíferos), tanto nativa quanto exótica, como roedores e morcegos. Outra pesquisa inédita para a região é o reflorestamento da Ilha Comprida, com a retirada do capim-colonião, espécie invasora, e replantio de espécies nativas. Desde 2014, já foram plantadas mais de 350 mudas de quatro espécies nativas. A aroeira (Schinus terebinthifolius) é a espécie que apresentou melhor resultado até hoje, crescendo como árvores de até 3 metros e com presença de frutos. A sombra das árvores impede o crescimento do capim dando oportunidade para as sementes das plantas nativas germinarem e crescerem naturalmente no local.
Além da pesquisa científica, o Projeto Ilhas do Rio atua em outras duas frentes: a educação ambiental e a mobilização social. Ambas têm como objetivo conscientizar a sociedade sobre a importância da preservação ambiental, e sensibilizá-la quanto à problemática da poluição no mar e seu impacto na vida marinha. Além de promover seu engajamento no apoio às medidas de conservação, turismo consciente e uso sustentável da Unidade de Conservação e seu entorno.
O Projeto é realizado pelo Instituto Mar Adentro, com patrocínio da Associação IEP e JGP, e curadoria técnica do WWF-Brasil e conta com importantes parcerias com o ICMBio, a Colônia de Pescadores de Copacabana-Z13, o Museu Nacional-UFRJ e o Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.