Foto – Pixabay
ARTIGO
Por – Danielle Martins*, especial para Neo Mondo
Em dezembro de 2022, foi publicada a Lei Federal no 14.515/2022, que estabelece o autocontrole agropecuário. O autocontrole é a capacidade do agente privado de implantar, de executar, de monitorar, de verificar e de corrigir procedimentos, processos de produção e de distribuição de insumos agropecuários, alimentos e produtos de origem animal ou vegetal, com vistas a garantir sua inocuidade, identidade, qualidade e segurança.
As boas práticas e o autocontrole já são uma realidade para muitas das cadeias produtivas reguladas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, como é o caso dos produtos de origem animal, em que a verificação dos programas de autocontrole dos estabelecimentos é parte inspeção e da fiscalização industrial e sanitária de produtos, conforme legislação regulatória vigente até então.
Mas o que muda, afinal?
A principal mudança é a divisão de certas responsabilidades com os agentes privados, relativamente a competências que não exijam o poder de polícia. Não existirá “autoregulação” ou “autofiscalização”, já que a regulação e a fiscalização, pertinentes ao poder de polícia, permanecem sob a competência do Poder Público, mas se delega o autocontrole, que deverá obedecer às normativas vigentes, de forma que os fiscais agropecuários atuem como auditores do processo produtivo.
E para que os fiscais possam atuar como auditores, os agentes privados devem organizar-se e fornecer documentos e procedimentos auditáveis, desde a obtenção e a recepção da matéria-prima, dos ingredientes e dos insumos até a expedição do produto. Sem dúvida um sistema aditável atende não somente às expectativas regulatórias, mas também a exigências de mercado, pois a conformidade é interesse tanto do poder público, quanto dos agentes privados, em constante melhoria, mediante sistema que atenda às obrigações legais e infralegais e demonstre o processo produtivo, prezando pela imagem das marcas e do país, inclusive internacionalmente.
A Lei 14.515/2022 estabelece como princípios da fiscalização uma atuação baseada em gerenciamento de riscos; preventiva, possibilitando que irregularidades sejam sanadas pelos próprios agentes privados; intervenção subsidiária e excepcional na atividade econômica; publicidade de ações e amplo acesso a processos administrativos; respeito à Lei de Liberdade Econômica, especialmente quanto à presunção de boa-fé do particular.
A regulação e a fiscalização continuam sendo públicas, mas alguns atos serão simplificados, como o registro de estabelecimentos; a concessão automática de registro de produtos padronizados; a dispensa de anuência prévia para registros de rótulos; a possibilidade de registro único para produtos com dupla funcionalidade, desburocratizando a atividade privada, que por sua vez, deverá respeitar os parâmetros vigentes e fornecer documentos e procedimentos auditáveis, para fins de fiscalização.
A Lei também estabeleceu o VIGIFRONTEIRAS, um sistema integrado para vigilância em defesa das fronteiras internacionais, pertinente ao poder de polícia, não atribuível a agentes particulares.
Outra mudança reside no fato de que o autocontrole será exigido de todos os setores submetidos à defesa agropecuária, o que passará por desafios, a começar pela heterogeneidade das áreas reguladas pelo Ministério da Agricultura, que sofrem variações conforme a realidade operacional de cada setor, já que o autocontrole de sementes não é o mesmo autocontrole de laticínios, que não é o mesmo de frigoríficos, nem dos fertilizantes, tampouco dos fármacos, e assim por diante. Justamente por isso, a Lei 14.515/2022 previu que os agentes privados regulados pela legislação relativa à defesa agropecuária desenvolverão programas de autocontrole com o objetivo de garantir a inocuidade, a identidade, a qualidade e a segurança dos seus produtos.
Nesse momento, ainda não foram publicadas normas reguladoras da Lei 14.515/2022, existindo uma expectativa de que essa regulação ocorra por etapas, a depender do nível de maturidade das cadeias produtivas afetadas, com a colaboração dos agentes privados, conforme previsão legal.
Existem dispositivos, entretanto, que são autoaplicáveis, notadamente aqueles que tratam do processo administrativo de fiscalização agropecuária[1], normas aplicáveis inclusive para processos administrativos pendentes de julgamento na data de publicação da lei.
Das normas processuais, foi fixado em 20 (vinte) dias o prazo para defesas e recursos; foi estabelecido o efeito suspensivo como regra decorrente da interposição tempestiva de recurso administrativo; foi estabelecido como princípio elementar da fiscalização o amplo acesso aos processos administrativos de interesse dos estabelecimentos; foi criada a terceira instância administrativa (Comissão Especial de Recursos de Defesa Agropecuária), com competência para emissão de Enunciados; foi estabelecida a possibilidade de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta para penalidades de suspensão/cassação de registro, cadastro ou credenciamento.
Por fim, as medidas cautelares só serão determinadas em situação de risco à defesa agropecuária ou à saúde pública ou em virtude de embaraço à ação fiscalizadora, sendo incabíveis quando a não conformidade puder ser sanada durante a fiscalização, devendo ser canceladas as medidas cautelares tão logo reste solucionada a não conformidade.
As sanções também sofreram modificações, fixando-se novos valores de multa.
Sem dúvidas, o balanço geral da Lei 14.515/2022 é positivo, pois a norma busca fomentar e desburocratizar a atividade privada, sendo certo que a simplificação de procedimentos assegurará maior capilaridade à atividade fiscalizatória em um país de dimensões continentais, efetivando a liberdade econômica, sendo interesse dos agentes privados buscar sempre melhorar a qualidade dos produtos produzidos no país, pois qualquer desvio à inocuidade e segurança dos seus produtos afeta diretamente a imagem de todos os envolvidos.
É fundamental aos agentes privados a manutenção do nível de qualidade dos produtos, seja pela autodisciplina, seja pelo compromisso com a sustentabilidade, seja por melhorias tecnológicas, fatores que caminharão lado a lado com a boa-fé da cadeia produtiva e a prevalência da liberdade econômica, em colaboração com os procedimentos fiscalizatórios.