Temperaturas altas, chuvas e secas beneficiam proliferação do mosquito transmissor da dengue – Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
POR – LEILA SALIM, OBSERVATÓRIO DO CLIMA / NEO MONDO
Área de proliferação do mosquito se expande e é intensificada por aumento de chuvas e altas temperaturas, além de secas
O número de casos prováveis de dengue no Brasil desde o início de 2024 chegou, na última quinta-feira (22), a 740.942 – um aumento de 346,7% na comparação com o mesmo período de 2023, que contabilizara 165.839 casos . O mais recente informe epidemiológico do Ministério da Saúde sobre a dengue apontou, ainda, 151 óbitos (contra 118 no mesmo período em 2023) e uma taxa de incidência de 364,9 casos a cada 100 mil habitantes. Em 2023, a cifra era de 77,7 casos prováveis por 100 mil habitantes.
A rápida escalada da dengue no país – a marca dos 700 mil casos havia sido ultrapassada no dia anterior – fez com que mais dois estados decretassem estado de emergência. Espírito Santo e Rio de Janeiro se somam agora a Acre, Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais, totalizando seis estados com decretos de emergência para a doença publicados. Santa Catarina, que realizou cerimônia para assinatura do decreto na quinta (22), deve engrossar a lista oficial do Ministério da Saúde hoje.
Entre as regiões mais afetadas, Distrito Federal e Minas Gerais encabeçam a lista de incidência (com 2.956,4 e 1.257.11 casos por 100 mil habitantes, respectivamente, como mostra a figura abaixo), confirmando o que especialistas vêm alertando nos últimos anos: o comportamento da dengue no Brasil se alterou profundamente, como resultado da crise do clima e da urbanização desordenada. Antes concentrada em áreas úmidas e litorâneas, a doença tem se espalhado e atingido fortemente o Cerrado, indicando uma expansão das áreas de transmissão.
Casos de dengue no Brasil. As barras em azul escuro correspondem ao ano de 2024 e as em azul claro, a 2023 – Fonte: Ministério da Saúde
O número de casos de dengue registrados nas primeiras sete semanas de 2024 já é maior que o total de casos em 2014, 2017, 2018 e 2021, como mostra a série histórica do Ministério da Saúde. Além disso, como ilustra a figura acima, três semanas deste ano, isoladamente, já concentraram mais casos do que a semana de pico de 2023.
No ano passado, o pico ocorreu na primeira quinzena de abril, com 111.840 casos contabilizados. Neste ano, as semanas de 21 a 27 de janeiro, 28 de janeiro a 3 de fevereiro e de 4 a 10 de fevereiro ultrapassaram a marca (com 132.813, 159.067 e 151.442 casos prováveis, respectivamente). O pico deste ano, com 159.067 casos, representa um aumento de 42% na comparação com a pior semana de 2023.
Ameaça global em planeta mais quente
Cientistas de todo o mundo têm enveredado esforços, nos últimos anos, para entender os novos padrões de transmissão da doença e esmiuçar sua relação com as mudanças climáticas. Afinal, a proliferação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, é beneficiada pelo calor. Os mosquitos se reproduzem mais rapidamente e o vírus sobrevive mais nessas condições, formando a “tempestade perfeita” em um planeta cada vez mais quente.
Em 2014, um estudo conduzido por Christóvão Barcelos, do Observatório de Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com Rachel Lowe, do Instituto Catalão de Ciências do Clima (Espanha), mostrou que a área de transmissão da dengue no Brasil passou de 2 milhões de km2 para 7 milhões de km2 entre 2001 e 2011, tornando-se mais do que três vezes maior.
A pesquisa “Expansão da área de transmissão de dengue no Brasil: o papel do clima e das cidades”, em tradução livre, relacionou as condições climáticas ao contexto socioeconômico e apontou o crescimento da dengue em cidades tradicionalmente mais frias e que passaram a registrar temperaturas mais altas no período. Cidades grades, quentes e com saneamento precário formam o ambiente propício para a doença se espalhar.
Àquela altura, no entanto, ainda havia “barreiras geográficas” que limitavam essa expansão da transmissão. Em 2021, os dois pesquisadores conduziram, em conjunto com um time mais amplo de cientistas, um novo estudo e concluíram que essas barreiras já estão se erodindo. É o caso do Sul do Brasil e a da Amazônia, que estavam “relativamente protegidas de surtos” e agora se tornam mais vulneráveis.
Investigando as causas dessa expansão, os autores buscaram relacionar surtos de dengue às variações de temperatura, a urbanização e a relação das regiões afetadas com a rede urbana do país. Confirmaram, assim, que o número de meses por ano com condições de temperatura mais altas, adequadas aos mosquitos, se relacionou diretamente aos surtos da doença.
No mesmo ano, outra pesquisa de modelagem conduzida pelo grupo analisou os efeitos combinados de condições hidrometeorológicas extremas e urbanização para a vulnerabilidade à dengue no Brasil. O estudo apontou que, além do aumento das temperaturas e chuvas, as secas severas e condições de umidade extrema também aumentaram o risco para a doença no país. Analisando mais de 12 mil casos de dengue entre 2001 e 2019, os autores demonstraram que o risco para dengue aumentou entre zero e três meses após a ocorrência de condições extremamente úmidas e entre três e cinco meses após condições de seca.
Em julho do ano passado, no auge do escaldante verão no hemisfério Norte, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um alerta sobre a disparada de casos de dengue no mundo em razão do aquecimento global. A OMS destacou o aumento das temperaturas médias, das chuvas e os períodos prolongados de seca como razões centrais para os recordes da doença mundialmente, apontando que, naquele momento, cerca de metade da população mundial estava sob risco de contrair dengue, em cerca de 129 países.
Em dezembro, após a constatação da propagação da dengue para regiões antes não afetadas (com surtos registrados no Afeganistão, no Paquistão, no Sudão, na Somália e no Iêmen e transmissão local na França, Itália e Espanha), a agência afirmou que a crise do clima havia transformado a dengue em uma ameaça à saúde global.