No livro “O Princípio da Responsabilidade: Ensaio de uma Ética para a Civilização Tecnológica”, a resposta procurada é a que responde à pergunta: isso poderia ter sido evitado? Imagem: Freepik
ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
Há acontecimentos que exigem das pessoas mais do que tristeza, raiva, lamento ou manifestações de pesar ou de apoio. Exigem encontrar respostas para compreender o cenário transformado pelo acontecimento. O acontecimento pode ser uma guerra, uma revolução, uma pandemia ou uma catástrofe natural. A resposta procurada é a que responde à pergunta: isso poderia ter sido evitado?
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Em 1979, o judeu alemão Hans Jonas publicou um livro que traduzia a sua busca por essa resposta. Trata-se de “O Princípio da Responsabilidade: Ensaio de uma Ética para a Civilização Tecnológica”. Jonas viveu uma vida cheia de acontecimentos transformadores e traumatizantes: a Primeira Guerra, a ascensão do nazismo, a fuga da Alemanha, a transformação em apátrida, a Segunda Guerra, a participação como soldado contra seu próprio país, mais um exílio e , enfim, a reflexão acadêmica de tudo isso e a produção de obras fundamentais para compreender essa parte funesta do século XX.
No seu livro mais importante, Jonas introduz a ideia de que devemos agir de maneira a garantir a existência e o bem-estar das futuras gerações. Ao contrário de Aristóteles ou de Kant, a Ética para Jonas não se resume aos presentes, mas principalmente aos futuros, pois cabe a nós deixar para eles um mundo no qual eles possam viver uma “vida autêntica”. Mas essa vida autêntica , com ar respirável e água potável, com animais e plantas, com o clima esperado para as estações, vem sendo conspurcada pelo avanço insensato da tecnologia e por seu uso desenfreado, “como se não houvesse amanhã”. Esse era, exatamente, o grande temor do filósofo.
Diante das incertezas sobre as consequências dessas interferências cada vez mais potentes sobre o planeta, Jonas defendeu o que chamou de uma heurística do medo, isto é, assumirmos um ponto de vista pessimista em relação ao futuro como forma de frear os ímpetos dos que buscam o lucro fácil e imediato, ao custo do nosso planeta. Imaginando o pior cenário, descrevendo-o com as tintas mais fortes, talvez possamos rever o ritmo das transformações tecnológicas e evitar catástrofes definitivas. Afinal, quem deseja um mundo destruído?
Mas não tem dado certo. Vivemos, hoje, diante dos efeitos de nossa surdez aos apelos de pensadores como Hans Jonas, entre tantos outros cientistas, ambientalistas, ativistas, jornalistas, estudantes, políticos. Uma pandemia que deixou milhões de vítimas não foi alerta suficiente. Agora, a Natureza avisa, mais uma vez, que não há limites para o seu descontrole. E, perplexos, muitos choram , rasgando as roupas e jogando cinzas sobre as cabeças, maldizendo a tragédia “que ninguém podia imaginar”.
Diante da pergunta: “isso poderia ser evitado?”, a resposta é clara: sim, poderia. Ou minimizado, com recursos e vontade dos gestores dos municípios, dos Estados e do governo Federal . Mas também com legisladores capazes de compreender que suas desregulações de proteção ambiental são parte importante dessa equação catastrófica. E, da mesma forma, eleitores que conseguissem enxergar que, muitas vezes, aqueles que defendem a Família e os Valores cristão, e por isso recebem seus votos, são os mesmos que apoiam a destruição das florestas, das fontes de águas, da poluição do ar, que negam recursos para prevenção das encostas dos morros, para a construção de barreiras e para a educação ambiental nas escolas, afetando indelevelmente as crianças, os lares das famílias trabalhadoras , as escolas e as Igrejas, muitas das quais agora jazem sob a fúria das águas da Natureza vingativa.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
Instagram: @profdanielmedeiros