Devido as mudanças climáticas e ação do homem, as enchentes serão cada vez mais frequentes – Imagem: Freepik
ARTIGO
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POR – JULIANNA PEIXOTO*, ESPECIAL PARA NEO MONDO
As enchentes no Rio Grande do Sul são um fenômeno recorrente que remonta a várias décadas. No entanto, nos últimos vinte anos, a frequência e a intensidade desses eventos extremos atingiram níveis alarmantes. Embora as chuvas intensas sejam historicamente comuns no sul do Brasil, a catástrofe mais recente foi a maior da história da região, com prejuízos sem precedentes à população e consequências ainda não dimensionadas ao meio ambiente.
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O desastre foi desencadeado pelo aumento das chuvas sazonais, escalando-se devido a fatores como mudanças climáticas, desmatamento e a própria ação humana direta. Dados compilados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) já indicavam o aumento da frequência de eventos extremos, o que não estaria meramente associado a uma variabilidade climática natural, como também a uma forte contribuição antrópica.
Exatamente por esse motivo, episódios como esse (enchentes) serão cada vez mais habituais, infelizmente. O aumento indiscriminado das áreas urbanas dificulta o escoamento hídrico devido à impermeabilização das superfícies para o estabelecimento das infraestruturas urbanas, o que impede a absorção da água da chuva pelos solos e vegetação. A combinação desses fatores com o acúmulo de resíduos sólidos nos ambientes urbanos e naturais exacerba a frequência, persistência e severidade das enchentes.
E o que nós temos a ver com isso? Os hábitos de consumo estão diretamente ligados ao acúmulo de resíduos sólidos nos ambientes naturais. O lixo plástico, por exemplo, altamente resistente e durável, responde por mais de 9 bilhões de toneladas acumuladas nos ambientes humanos e naturais, estando fortemente enraizado no cotidiano da vida contemporânea. Esses resíduos contaminantes contribuem para a redução da capacidade de infiltração dos solos e para o bloqueio e assoreamento de rios e canais, o que aumenta significativamente o risco de transbordamento desses cursos de água durante períodos de chuvas intensas.
Ainda que haja um consenso quanto aos níveis exorbitantes do uso de plásticos, no âmbito da opinião pública é preciso questionar o que acontece quando todo esse material é descartado. Quando em ambientes urbanos, os resíduos plásticos descartados inadequadamente são carregados pela água da chuva para os bueiros e sistemas de drenagem urbana. Esses materiais, junto com outros detritos, causam o entupimento de dutos e galerias pluviais, bloqueando o fluxo adequado da água e causando acúmulo de água nas superfícies urbanas. Ainda, a presença constante desses resíduos implica a necessidade de manutenção frequente e o aumento dos custos ao setor público.
O Brasil é o quarto maior produtor de plásticos do mundo, gerando, anualmente, mais de 11 milhões de toneladas de resíduos. Destes, apenas cerca de 1% é reciclado, muito abaixo da média global que corresponde a 9%. Importante considerarmos, ainda, que a maioria dos municípios brasileiros apresenta sistemas de drenagem subdimensionados ou sem a manutenção apropriada, agravando a incapacidade de escoamento rápido de grandes volumes hídricos, levando ao acúmulo severo e inundações (enchentes).
Além disso, resíduos plásticos contaminam os solos e corpos d’água por carregarem microrganismos e liberarem moléculas tóxicas e carcinogênicas nesses ambientes. Essa poluição também pode afetar a capacidade de uso de reservatórios e outras infraestruturas hídricas, complicando ainda mais a gestão de águas pluviais.
Mesmo diante de um problema muito bem delineado, ainda não estabelecemos políticas públicas efetivas em nível nacional para combater as causas centrais relacionadas aos trágicos cenários vivenciados e previstos. Até o momento, existem aproximadamente 50 casos de legislações aprovadas entre estados e municípios brasileiros. No entanto, não há uma diretriz ou regulamentação federal para subsidiar a gestão de plásticos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, implementada em 2010 como marco regulatório no país, ainda sofre críticas por ser direcionada ao pós-consumo, ou seja, ao descarte do material e não ao seu uso. Ainda, a falta de estratégias para a gestão eficiente de resíduos plásticos consiste em um obstáculo que precisa ser superado com urgência.
A resposta a eventos extremos exige um esforço coordenado entre os entes federativos, comunidades locais e organizações para melhorar a infraestrutura e o saneamento, promover práticas de uso sustentável do solo e adotar medidas de adaptação às mudanças climáticas. Estratégias de prevenção de desastres socioambientais são mais viáveis, eficazes e custoefetivas do que as relacionadas à reparação de danos.
O primeiro passo para a prevenção é a conscientização, por meio de campanhas educativas sobre a importância do consumo consciente e do descarte correto de resíduos. Paralelamente, o fortalecimento dos sistemas de coleta de lixo e o desenvolvimento e a implementação de estratégias que garantam a gestão adequada desses resíduos são fundamentais para mitigar seus impactos. Também é crucial a realização da limpeza e da manutenção regular dos sistemas de drenagem e dos corpos d’água para prevenir potenciais obstruções.
No caso do lixo plástico, para solucionar o acúmulo, é preciso desenvolver medidas de redução do ciclo de produção desses resíduos por meio da degradação dos resíduos existentes e da substituição de plásticos por alternativas biodegradáveis sempre que possível. Nesse contexto, a adoção e a fiscalização rigorosas das leis e regulamentos – incluindo a penalização sobre o descarte irregular de lixo – atuam de forma colaborativa com a gestão adequada dos resíduos sólidos.
Tendo em vista o cenário brasileiro, faz-se necessário repensar as ações individuais como força motriz da prevenção de futuros desastres. Isso significa que os nossos hábitos diários têm grande impacto para a preservação da saúde humana e ambiental. Aí que a nossa sacolinha plástica entra: cada unidade a menos faz a diferença.
*Julianna Peixoto – bióloga, mestre e doutora em biologia molecular pela Universidade de Brasília, foi pesquisadora em pós doutorados em Jerusalém, no Reino Unido e tem 14 anos de experiência.