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ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
Em recente entrevista, um deputado extremista apresentou a melhor síntese do que é ser de Direita: não ser de Esquerda. E acrescentou: a Direita não tem uma consistência própria, mas reflete os valores de quem não é de esquerda. Isto é, a Esquerda é quem pauta a agenda da Direita. Pauta identitária, pauta ambiental, pauta de defesa do direito das mulheres, pauta da descriminalização do uso de drogas, pauta da crítica ao ensino dos dogmas religiosos nas escolas, críticas à violência policial, pauta de benefícios para os pobres, até as cobranças do conceito de ESG nas empresas entrou na mira da Direita. A base filosófica da Direita Contemporânea é uma mistura do conceito de Liberdade Negativa de Isaiah Berlim com o conceito de “dane-se quem quer que seja menos eu, minha família e meus amigos“, de autoria desconhecida, mas amplamente disseminada pelo mundo.
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A liberdade negativa, segundo Berlin, refere-se à ausência de interferência ou coerção por parte de outros. Em outras palavras, uma pessoa é livre na medida em que não é impedida por outros de fazer o que deseja. Berlim foi um dos mais importantes pensadores do Liberalismo, mas certamente não imaginava como a Direita extrema iria distorcer suas intenções e criar esse vale tudo contra todos os que buscam estabelecer políticas de manutenção mínima do planeta e das pessoas vulneráveis. Para a Direita extrema, qualquer tentativa de cobrar responsabilidade coletiva é uma agressão ao sacrossanto direito de ser egoísta e de pensar apenas no meu umbigo e de proteger apenas os meus amigos e familiares, como se já estivessem disponíveis casulos protetores contra o fim do mundo. Por isso entende-se os milhões e milhões gastos em pesquisas para viabilizar viagens para Marte. Trata-se da rota de fuga depois da destruição de tudo por aqui, em nome da Liberdade.
Assim, para a Direita extrema, ser contra a Esquerda é reforçar os valores que se opõem aos valores que a Esquerda defende. O problema é que boa parte desses chamados valores que a Esquerda defende chamava-se – antes da existência dessa polarização artificialmente construída – de Civilização. É civilizado pensar uma sociedade marcada pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ou seja, ser de Direita extrema é contestar os valores sobre os quais, há mais de duzentos anos, pensamos o mundo no qual vivemos hoje. A Direita extrema é, como disse o liberal Mario Vargas Llosa , o chamado da Tribo, o apelo dos bárbaros, o canto das sereias, loucas para destruir tudo o que se construiu com tanto sacrifício e esperança.
Aliás, a esperança é uma das maiores vítimas da Direita extrema. A defesa de valores viris e o deboche contra os mais fracos e suas memórias afeta a ideia de um futuro coletivo melhor porque, na linha do raciocínio na Direita extrema, só quem merece tem direito a um futuro melhor. E merecer implica ter, possuir, ostentar. A Direita extrema não é humilde, não tem compaixão, não aceita menos. Donald Trump traduz bem esses valores com suas perorações. O problema é que ,nessa esteira, outros valores tão caros em outros tempos, como coerência, verdade dos fatos, respeito pelas instituições e pelos rituais coletivos de cidadania, vão sendo triturados como artifícios da Esquerda. Nesse grupo incluem-se coisas como Eleições, Tribunais Superiores, Constituição, além de Imprensa, Universidade, Pesquisa Científica. Não precisa muita imaginação para temer no que isso pode nos levar.
O momento atual, porém, é o da Direita extrema. No mundo Ocidental, nos países berços do Conceito de Democracia Contemporânea – os EUA e a França – a Direita extrema se fortalece e conta os dias para assumir o poder, Outros países, que viveram o drama do fascismo e onde se imaginava que percorrer outra vez esse caminho seria uma ópera de tolos e tontos, a Direita extrema cresce – como na Alemanha e na Espanha – e já governa, como na coligação que dirige a Itália.
Por aqui, a Democracia sempre foi a filha doentinha da família formada pelo casamento do autoritarismo e das oligarquias. Por aqui, onde a escravidão construiu fortunas e reputações “respeitáveis”, os direitos sempre foram vistos como uma exceção, ao invés de serem vistos como uma conquista necessária para qualquer país com pretensão civilizatória. E aí está o principal problema: nunca pareceu, para a nossa Direita extrema, que a Civilização fosse um propósito necessário para suas vidas. Basta a família, os amigos e uma bandeira do Brasil nas costas. Na verdade, esse conceito de Civilização parece , claramente, coisa de esquerdista. Logo, não se espante se a ideia de acabar com ele se torne uma das metas anunciadas orgulhosamente pela Direita extrema, entre urros, orações contritas e tiros para o alto, não necessariamente nesta ordem.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
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