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ARTIGO
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Por – Pedro Abel Vieira* e Antonio Marcio Buainain*, especial para Neo Mondo
No premiado livro Floresta é o nome do mundo, a escritora estadunidense Ursula Kroeber cria uma trama que se desenrola em um planeta formado por densa floresta e habitado por seres respeitosos ao meio ambiente. Tudo vai bem até a chegada de invasores que destroem a floresta provocando a revolta dos nativos que retomam a vida em harmonia com a natureza.
Embora escrita em 1972, a obra segue atual, as temperaturas globais estão aumentando com consequências trágicas para a vida como as enchentes e as ondas de calor vivenciadas no Brasil nos últimos anos.
É bastante provável que a situação piore nas próximas décadas provocando uma revolução em prol da natureza como a descrita por Ursula. Alguns sinais da revolução, a exemplo da Transição Energética, já estão se materializando podendo ser uma oportunidade impar para o Brasil, um país cujo desenvolvimento está ligado a exploração dos recursos naturais, notadamente a agricultura, ‘orientada pelo mercado. Um exemplo são os engenhos de cana de açúcar do período colonial, um arranjo dedicado ao mercado internacional, inovador à época por integrar a produção agrícola com a indústria e pioneiro no mundo na produção de biocombustíveis.
A transição energética já ocorreu no passado com a substituição da madeira pelo carvão no século XIX e do carvão pelo petróleo no século XX. É chegada a hora de ‘retornar às origens’ substituindo a energia fóssil pela biomassa. Essa é uma trajetória que interessa à um país como o Brasil, localizado predominantemente em região tropical e que dispõem de um sistema agrícola pujante e reconhecido internacionalmente pela inovação para ganhos de produtividade.
Não foi por acaso que, em menos de um século, de importador de alimentos, o Agro brasileiro passou a ser considerado como ‘a fonte estratégica de alimentos para a humanidade’ e contribui com mais de 20% do Produto Interno Bruto e do emprego nacional. Desde 1960, a produtividade da agricultura brasileira, medida pela Produtividade Total dos Fatores (PTF), cresceu em taxas superiores à média mundial, superando inclusive vizinhos sul-americanos (Argentina) e importantes produtores agrícolas (EUA) mundiais. Essa dinâmica foi especialmente bem-sucedida na produção de grãos (soja e milho) e carnes, porém e a despeito da importância brasileira no mercado mundial de alguns produtos agrícolas processados (suco de laranja, açúcar e carnes), a agricultura brasileira não foi tão bem-sucedida na agregação de valor à produção primaria. Um exemplo é a produção de soja, que aumentou em mais três vezes desde o início do século, levando a participação brasileira no mercado mundial de 23% para 42% nesse período. A questão é que o inequívoco sucesso na produção de grãos não se repetiu na agregação de valor. No início do século, cerca de 80% da safra de soja era exportada, sendo 40% como grão e 40% na forma de farelo. Ao longo dos anos, a participação do farelo nas exportações reduziu para 20% enquanto a participação do grão supera os 60%, chegando a 72% na safra 2018.
O potencial socioeconômico do Agro brasileiro está consolidado, porém, conforme indicam a estagnação da PTF e a redução na geração de empregos, a cadeia de valor agrícola brasileira caiu no que o Banco Mundial nominou como ‘Armadilha da Renda Média. Para sair da Armadilha, as economias em desenvolvimento precisam transformar os seus sistemas produtivos, porém, para alguns autores, a formação econômica do Brasil é peculiar em reproduzir as desigualdades.
Pela disponibilidade de recursos naturais, particularmente terra e água, pela capacidade empresarial e por deter tecnologia para a produção agrícola nos trópicos, o Agro brasileiro tem grande capacidade de contribuir para o desenvolvimento do país, a questão que se impõem é: como fazer da cadeia de valor agrícola brasileira um vetor para o desenvolvimento nacional?
O momento que vivemos, marcado pela instabilidade dos mercados internacionais e pelos severos impactos das mudanças climáticas, sugere que o sucesso do passado não é garantia de um futuro prospero. Se os desafios dos últimos 50 anos não foram triviais, as exigências para a agricultura do futuro, incluindo a ‘reconstrução da Natureza’ e a geração de emprego e renda, é ainda mais desafiador. As estratégias para a manutenção do sucesso da agricultura brasileira passam por uma economia cada vez mais verde enfatizando a diversificação da produção agrícola. Também é preciso atenção com os encadeamentos da produção primária à indústria e aos serviços.
A transição energética, tida como a substituição de fontes de energia fósseis por fontes renováveis, é um importante vetor do futuro planetário. A transição energética, que não se limita à energia elétrica, pode contribuir para uma ‘nova economia’ focada na ‘reconstrução da natureza’ e na geração de emprego e renda.
Em tempos de transição energética, o uso da bioenergia vem chamando atenção no Brasil, um país tido como pioneiro em biocombustíveis e cuja matriz energética é mais renovável que a das maiores economias mundiais, o que representa uma vantagem comparativa no contexto da transição energética, especialmente no mercado de hidrogênio de baixo carbono e na substituição de combustíveis fósseis por biomassa e biocombustíveis. A agricultura pode contribuir para a transição energética no Brasil de várias formas, incluindo: i) neutralização de carbono uma vez que a agricultura tem capacidade de capturar emissões de outras áreas, como a urbana, que têm dificuldade em reduzir; e ii) diversificação de fontes de biomassa com ênfase no aumento da eficiência e da sustentabilidade dos biocombustíveis.
O contraste global entre a escassez de opções verdes para investimento, particularmente em economias como o Brasil, e o excesso de poupança aplicada em formas líquidas e de baixo retorno merece ser confrontado. Isso é um alento para um país com enorme déficit em infraestrutura e considerado uma ‘potência ambiental’ como o Brasil. Se a agenda ambiental parece clara para o Brasil, as desconfianças e os ataques de toda ordem não o são. O crescimento mundial de debates sobre governança está em voga e pode ser de grande valia para a agricultura brasileira contribuir com a transição energética e ajudar o país a sair da Armadilha da Renda Média.
*Pedro Abel Vieira é pesquisador da Embrapa
*Antonio Marcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp