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ARTIGO
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Por – Fabio Eon*, Jessica Bridges* e Omar Rodrigues*, para Neo Mondo
Quando pensamos em conservação da natureza, o que vem à mente? Provavelmente, a imagem de uma floresta tropical verdejante, com árvores altas e frondosas. Esse também é o cenário gerado pela inteligência artificial, caso solicite uma imagem que represente o tema. Agora, ao pedirmos uma ilustração sobre “férias divertidas” para um gerador de imagens, teremos desenhos de praias com mar límpido, sol e coqueiros ao redor.
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A praia é um destino de férias universal e, no Brasil, não poderia ser diferente, especialmente com uma costa tão extensa e destinos listados entre os mais paradisíacos do mundo. De acordo com pesquisa conduzida em 2022 pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, em parceria com a UNESCO e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), 75% dos brasileiros vão à praia ao menos uma vez por ano. No entanto, apenas 34% dos entrevistados compreendem que suas ações têm impacto direto no oceano.
A saúde do oceano é fundamental para a nossa existência e a do planeta. Cobrindo cerca de 70% da Terra e fornecendo metade do oxigênio que respiramos, o oceano sustenta a vida tal como a conhecemos, desempenha papel essencial na regulação do clima, na oferta de alimentos e apoio aos meios de subsistência. No entanto, nosso oceano não se encontra bem – pressões que incluem alterações climáticas, poluição, destruição de habitats e pesca excessiva contribuem com o aquecimento do oceano, a acidificação e a perda de biodiversidade.
Muitos que trabalham na proteção do ambiente marinho dizem que a saúde do oceano não é suficientemente reconhecida na elaboração de políticas climáticas e no financiamento global. O ODS 14 estabelecido pela ONU, “Proteger a Vida Marinha”, é frequentemente citado como o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável que recebe o menor montante de financiamento.
Associar a conservação da natureza ao ambiente marinho e ajudar a sociedade a compreender a importância crítica do oceano – e a cuidar dele – é o objetivo da “cultura oceânica”. O conceito foi destacado pelas Nações Unidas, em 2017, para descrever a compreensão individual e coletiva da importância do oceano para a humanidade. A educação e a comunicação são dois caminhos fundamentais para conscientizar pessoas de todas as idades e estratos sociais sobre o quanto suas vidas sofrem influência oceânica e como os mares podem ser incorporados em ações e decisões individuais, mesmo a quilômetros de distância do litoral.
A educação formal ou informal, por meio de conteúdos acessíveis e transversais e metodologias e linguagem adequadas ao repasse da informação a cada público, é capaz de transformar a relação de cada pessoa com o oceano. Não falamos da necessidade de letrar apenas crianças e adolescentes em idade escolar. Entretanto, considerando a educação formal nas escolas, mesmo não existindo disciplinas específicas relacionadas ao oceano, há um movimento para que o tema esteja mais presente no currículo escolar.
A rede All-Atlantic Blue School reúne 20 países do Atlântico no projeto Escola Azul, com mais de 600 escolas que adotaram a educação oceânica em seus currículos, envolvendo 4.500 professores e mais de 200 mil estudantes. No Brasil, 320 escolas em 20 estados já estão cadastradas. Santos, no litoral paulista, foi o primeiro município do mundo a criar uma lei para incluir o oceano no currículo escolar. Embora seja mais desafiador tratar sobre o mar em localidades distantes da costa, esse deve ser um exercício em todas as regiões do país. Globalmente, o Dia Mundial do Oceano para as Escolas trabalha com quase 8.000 escolas em 76 países para ajudar a inspirar as crianças a tornarem-se defensoras do oceano. A iniciativa disponibiliza planos de aula e vídeos em português, francês, espanhol, italiano e inglês e, em 2024, firmou parceria com a All-Atlantic Blue para distribuição de materiais em escolas brasileiras.
O artigo “Oceano como tema interdisciplinar na educação básica brasileira”, de um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo e Universidade Federal do ABC, mostrou que, pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é possível trabalhar as ciências oceânicas de múltiplas formas, transitando em todas as dimensões do conhecimento. A pesquisa traz exemplos em que um estudante com pensamento sistêmico pode compreender que a perda de uma espécie marinha ou um impacto sobre ela pode desequilibrar todas as cadeias alimentares, alterar o funcionamento de ecossistemas e até afetar o clima do planeta. E, nesse contexto, ainda correlacionar com a localidade onde vive.
Paralelamente, a comunicação para promover a cultura oceânica também é um movimento crescente. Investigação promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian, instituição internacional com sede em Lisboa, Portugal, descobriu que subjacente a todos os problemas que o oceano enfrenta estava a falta de compreensão sobre a razão pela qual o oceano é importante. A partir da compreensão vem a preocupação e, quando as pessoas se sentem mais conectadas a um problema, é mais provável que ajam. Organizações da sociedade civil, a ONU e cientistas de todo o mundo têm reconhecido cada vez mais a importância de facilitar a compreensão da ciência oceânica pelo público.
Há mais de uma década, a Fundação Gulbenkian investe nas comunicações oceânicas em Portugal, Reino Unido e fora da Europa, apoiando a sociedade civil e os contadores de histórias sobre o oceano a melhorar a forma como falam sobre o ambiente marinho e a transmitir a importância de protegê-lo especialmente, para além da bolha dos ambientalistas e cientistas. O recente filme “What the Ocean Reveals About Us” (O que o oceano revela sobre nós), da BBC StoryWorks, financiado pela Fundação Gulbenkian, destaca a dependência e a profunda ligação da humanidade com o oceano. Destinado ao público on-line mais jovem e mais velho, o filme usa técnicas de comunicação de “melhores práticas” para ajudá-los a se sentirem conectados e a compreenderem melhor as questões oceânicas, como o uso de metáforas, evitando estatísticas e apresentando histórias reais de experiências oceânicas de pessoas do Reino Unido e Portugal.
Em sintonia com a Década do Oceano (2021-2030), declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e liderada pela UNESCO para incentivar a preservação dos mares e a gestão dos recursos naturais de zonas costeiras, a iniciativa Conexão Oceano, lançada em 2019 pela Fundação Grupo Boticário, busca estimular a comunicação sobre a importância e a transversalidade dos ambientes costeiros e marinhos para diferentes públicos e por diferentes plataformas e atores da sociedade. Uma das entregas do Conexão Oceano é um edital que oferece bolsas a jornalistas para a produção de conteúdos qualificados sobre o oceano sob diferentes temáticas e perspectivas.
O engajamento, inclusive, foi um dos temas em pauta no 4º Diálogo das Fundações, evento realizado em setembro, no Rio de Janeiro (RJ), com a participação de cerca de 30 instituições filantrópicas globais para traçar ações a favor dos mares.
Seja na educação, na comunicação ou na pesquisa científica, acelerar a conservação do oceano é extremamente importante. A ciência é clara, mas precisamos que toda a sociedade global reconheça e valorize o oceano como essencial para o nosso futuro e para a saúde do nosso planeta hoje. Precisamos cada vez mais promover uma cultura oceânica amigável, não apenas para divulgar o conhecimento sobre os mares, mas também para incentivar governos, tomadores de decisão, empresas, investidores e cidadãos a tomarem medidas em nível local e global em busca de mudanças positivas significativas.
*Fabio Eon é coordenador de Ciências Naturais e Ciências Humanas e Sociais da UNESCO no Brasil.
*Jessica Bridges é head de Advocacy e Comunicação da sucursal da Fundação Calouste Gulbenkian no Reino Unido.
*Omar Rodrigues é gerente de Comunicação, Engajamento e Relacionamento Institucional da Fundação Grupo Boticário.