Cristina Garcia, diretora de Pesquisa Avançada e Comunicação para a América Latina do Grupo L’Oréal – Foto: Beagle Imagens
POR – OSCAR LOPES*, PUBLISHER DE NEO MONDO
Você sabia que o Brasil conta com todos os oito tipos de cabelos identificados pela indústria de cosméticos? E que dos 66 clusters, ou grupos, de tons de pele identificados globalmente, 55 deles estão presentes na população brasileira? Desenvolver fórmulas que atendam nossa diversidade é um desafio, mas também um cenário ideal para inovação.
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E é tendo como base este cenário tão complexo e diverso que o Grupo L’Oréal tem investido fortemente em pesquisa para criar produtos que respeitem as características e necessidades dos consumidores brasileiros, fomentando a representatividade e inclusão.
Nesta entrevista exclusiva ao NEO MONDO, Cristina Garcia, diretora de Pesquisa Avançada e Comunicação para a América Latina do Grupo L’Oréal, revela as principais estratégias que a empresa tem adotado para desenvolver fórmulas inovadoras sem deixar de lado a sustentabilidade em todas as etapas, desde as operações até o lançamento dos produtos. A conversa aconteceu durante o 34º Congresso IFSCC 2024 (International Federation of Societies of Cosmetic Chemists), em Foz do Iguaçu (PR) entre os dias 14 e 17 de outubro.
Neste bate papo, Cristina discute o impacto do programa “L’Oréal Para o Futuro” e o papel crescente da empresa em criar soluções que unem beleza e impacto social e ambiental positivos. Conheça mais, a seguir:
O Grupo L’Oréal investe cerca de 1,2 bilhões de euros em Pesquisa e Inovação. O Brasil possui uma imensa diversidade de tons de pele e tipos de cabelo. Como o Grupo L’Oréal está adaptando seus produtos para atender melhor o mercado brasileiro e quais inovações recentes você destacaria nesse contexto?
A L’Oréal é o grupo de cosméticos que mais investe em pesquisa e inovação no mundo. Acreditamos que esse investimento é o que sustenta o nosso negócio para o futuro.
Temos um centro de pesquisa principal na França, mas também operamos hubs, unidades de pesquisa e inovação, em diferentes regiões do mundo, e um desses hubs está no Brasil.
E por que o Brasil? Porque o Brasil é extremamente representativo na América Latina em termos de diversidade de pele e cabelo. O País abriga os oito tipos de cabelo identificados em nosso mapeamento global, que analisa desde o diâmetro da fibra capilar até a resistência e outras propriedades. Essa classificação vai do tipo 1, o mais liso, ao tipo 8, o mais crespo. No Brasil, encontramos todos esses tipos de cabelo de maneira representativa, o que é único entre os nossos hubs globais.
Além disso, também mapeamos os tons de pele ao redor do mundo, formando 66 clusters, ou grupos, de tons de pele. No Brasil, 55 desses tons estão presentes, mais uma vez mostrando a diversidade da população brasileira.
Outro fator importante que consideramos é o “exposoma”, ou seja, os estímulos externos que afetam a pele e o cabelo, como a radiação UV, a umidade e o calor intensos, presentes no Brasil o ano inteiro. Esses fatores desafiam a integridade da pele e do cabelo, o que nos obriga a inovar constantemente em nossas fórmulas para manter a saúde desta grande diversidade de peles e cabelos.
Com tanta diversidade, qual o perfil da consumidora brasileira?
Temos uma consumidora brasileira muito exigente, especialmente em cuidados capilares e fotoproteção diária. Por exemplo, uma mulher brasileira pode usar até seis produtos diários em sua rotina de tratamento capilar. Isso mostra o quanto essa rotina é sofisticada, e para nós é crucial entendê-la para desenvolvermos produtos que atendam a essas demandas.
O Brasil é o quarto maior mercado de cosméticos do mundo, o que é impressionante considerando nossa posição econômica global. Se conseguimos satisfazer a consumidora brasileira, com toda sua exigência e rotina complexa, podemos usar essa inovação para exportar para outros mercados, já que outros países se inspiram muito no Brasil, especialmente no que diz respeito a cuidados capilares.
No campo da fotoproteção, também há grandes desafios, pois precisamos de protetores solares eficazes e confortáveis para o uso diário, considerando o calor e a umidade do Brasil.
Desde 2008, temos um centro de pesquisa no Brasil, que começou com apenas quatro pessoas e cresceu significativamente. Em 2017, inauguramos o Inova, nosso centro de pesquisa localizado na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro (RJ). Hoje, contamos com uma equipe de 150 pessoas. O objetivo desse centro é entender profundamente o consumidor brasileiro — sua rotina, os efeitos do clima em sua pele e cabelo — e formular soluções específicas para suas necessidades. Além disso, testamos todos os produtos localmente para garantir que eles realmente atendam às expectativas.
Esse hub brasileiro também serve como uma plataforma para trazer as melhores inovações globais do Grupo L’Oréal, testando-as no mercado local para garantir sua relevância. Por exemplo, uma fórmula que a França ou os Estados Unidos desenvolve é trazida para ser testada aqui para ver se ela é relevante para o mercado brasileiro. Nada é lançado sem passar por testes rigorosos com os consumidores brasileiros.
O programa “L’Oréal Para o Futuro” estabelece metas ambiciosas até 2030. Quais foram os principais avanços em sustentabilidade na América Latina e, em especial, no Brasil, desde o lançamento do programa, especialmente relacionado à economia circular e descarbonização das operações?
O programa é bastante abrangente e um dos focos principais está na pesquisa e inovação de fórmulas, abordando a ecoconcepção e a melhoria do perfil ambiental dos produtos.
Esse trabalho já começou em 2013, quando implementamos a ferramenta Spot, que analisa o ciclo de vida dos produtos. Hoje, usamos essa ferramenta diariamente. No desenvolvimento de novas fórmulas, todos os produtos que lançamos são avaliados em relação à versão anterior, e conseguimos melhorar 98% deles em termos de impacto ambiental. Esse é um processo contínuo.
Na área de descarbonização e economia circular, temos várias iniciativas sendo conduzidas por outras áreas da empresa. Um exemplo superinteressante é o uso de biometano como combustível para os caminhões que transportam nossos produtos da fábrica até os centros de distribuição. Isso é muito inovador! Estamos implementando uma estação de biometano, que será lançada em breve, e estará disponível não só para a L’Oréal, mas também para outras empresas que desejarem utilizá-la. Isso reflete nossa busca por inovação além dos produtos.
Quanto à economia circular, para que as soluções sejam eficazes, é essencial estabelecer parcerias. Recuperar embalagens no Brasil é um desafio complexo para uma única empresa. Por isso, existe um programa setorial chamado “Dê as Mãos para o Futuro”, coordenado pela ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos), que reúne os principais players do setor para trabalhar com cooperativas em diversos municípios, facilitando a coleta e reciclagem dos materiais.
Além disso, colaboramos intensamente com nossos fornecedores de embalagens, incentivando o uso de materiais reciclados nos produtos. Embora não seja minha área específica, o trabalho em parceria é essencial para avançarmos nesses objetivos.
Nossa diversidade étnica e cultural influencia diretamente no desenvolvimento de produtos e campanhas. Como o Grupo L’Oréal está integrando esses aspectos em sua estratégia de marketing e desenvolvimento de produtos?
Diversidade, equidade e inclusão são pilares fundamentais para a L’Oréal, especialmente no Brasil, onde essa questão tem uma relevância ainda maior devido ao nosso contexto histórico e social.
A L’Oréal tem uma abordagem transversal que atua em quatro pilares principais. O primeiro é o pilar de pessoas, que foca na inclusão, no desenvolvimento e retenção de talentos diversos dentro das nossas equipes. O segundo é o pilar de produtos, onde desenvolvemos produtos adaptados a diferentes tipos de pele e cabelo. A parte de comunicação é o terceiro pilar, uma vez que, como empresa com grande alcance midiático, temos a responsabilidade de representar a diversidade da população brasileira. Finalmente, o quarto pilar é o impacto social, onde trabalhamos com comunidades, parceiros e iniciativas como o Mover, que busca gerar transformação social por meio da diversidade.
Você pode nos dar mais exemplos práticos que resultaram no lançamento de produtos?
No que diz respeito ao desenvolvimento de produtos, nossa equipe de pesquisa e inovação tem um papel crucial. Realizamos estudos detalhados para entender as necessidades específicas dos diferentes tipos de pele e cabelo. Por exemplo, um estudo feito em parceria com a USP de Ribeirão Preto (SP) analisou as características da pele negra oleosa, que é uma queixa comum de mulheres com esse tipo de pele. Não adianta formular se não entendemos quais são as necessidades dessas consumidoras.
Além disso, lançamos o Anthelios Ultra Cover, um protetor solar com alta proteção que também funciona como base de maquiagem, com uma cobertura muito boa e disponível em seis tonalidades, cobrindo uma ampla gama de tons de pele. Isso foi resultado de um estudo profundo sobre as diferentes nuances da pele brasileira. Durante o desenvolvimento desse produto, percebemos que as nomenclaturas das cores, como “morena” e “morena mais”, poderiam ser ofensivas. Em resposta, mudamos para uma numeração neutra (1.0, 2.0, 3.0), removendo qualquer viés e permitindo que a consumidora escolha com base em uma régua de escala de cores clara e objetiva. Depois, começamos a aplicar essa numeração para todas as nossas nuances de proteção solar.
Essa abordagem foi tão bem-sucedida que aplicamos o mesmo conceito em outros produtos, como a nova linha de esmaltes Nude, que inclui uma variedade de tonalidades de “nude”, refletindo a pluralidade de tons de pele.
Em termos de inclusão, como a L’Oréal trabalha para garantir que seus produtos e inovações sejam acessíveis a diferentes grupos socioeconômicos no Brasil?
O Grupo L’Oréal tem uma característica marcante: seu portfólio de marcas é muito amplo, o que nos permite atender uma vasta gama de consumidores. Nós abrangemos desde o segmento de superluxo até o mercado profissional, passando por produtos recomendados por dermatologistas, que são mais especializados e voltados para situações específicas.
Além disso, temos o que chamamos de gama de grande público, composta por marcas mais acessíveis, cujos produtos podem ser encontrados em supermercados, farmácias, entre outros pontos de venda mais populares. Dentro dessa categoria, há diversas marcas, como L’Oréal Paris, Maybelline e Garnier, o que nos possibilita atender consumidores com diferentes níveis de poder aquisitivo.
Hoje, temos aproximadamente 20 marcas no Brasil e, globalmente, o portfólio inclui mais de 37 marcas. Isso demonstra a amplitude da nossa oferta e como conseguimos alcançar diferentes perfis de consumidores.
O que é interessante destacar é que, independentemente da marca ou do público final, a inovação sempre está no centro do nosso trabalho. A L’Oréal nasceu com um foco forte em inovação, e seguimos trazendo avanços científicos para valorizar nossos produtos, seja qual for o consumidor. E, claro, isso vem acompanhado de um compromisso inegociável com a segurança e qualidade dos produtos. Esses dois aspectos são fundamentais em todas as nossas linhas, não importa o nível de preço ou o mercado-alvo.
A L’Oréal reforça a visão holística da sustentabilidade, considerando o ciclo de vida completo de seus produtos. Quais medidas específicas vocês têm tomado para melhorar o impacto ambiental na fase de pós-consumo no Brasil?
Existem dois aspectos importantes a considerar. Primeiro, dentro da nossa análise de ciclo de vida, usamos a ferramenta SPOT para avaliar o impacto do uso dos produtos, incluindo o consumo de água, como ao enxaguar um xampu, ou a emissão de carbono gerada pelo aquecimento dessa água.
Hoje, levamos isso em conta e trabalhamos em soluções para mitigar esse impacto. Um exemplo seria mudar a rotina do consumidor, oferecendo, por exemplo, condicionadores que não precisam de enxágue, o que reduziria pela metade o tempo gasto com água. Outra solução são fórmulas que podem ser enxaguadas mais rapidamente, otimizando o uso da água.
Além disso, estamos investindo em dispositivos tecnológicos para otimizar o consumo de água. Um exemplo é o Water Saver, desenvolvido em parceria com a startup suíça Gjosa. Essa tecnologia “multiplica” a eficiência do uso da água, permitindo reduzir em até 70% o consumo durante o enxágue, sem comprometer a eficácia.
Também temos ferramentas que medem o impacto de nossos produtos na água, e essas avaliações são constantemente revisadas para melhorar as formulações e reduzir o impacto ambiental.
Na fase de pós-consumo, estamos comprometidos com a circularidade das embalagens. Trabalhamos com a implementação de refis e embalagens recicláveis, para que possam ser reincorporadas na cadeia produtiva. Isso é possível por meio de iniciativas como o programa Dê as Mãos para o Futuro, que nos permite recuperar embalagens para reciclagem, contribuindo para uma economia circular.
Como a L’Oréal tem colaborado com startups e instituições locais para fomentar a inovação e a sustentabilidade na indústria cosmética brasileira?
Esse é o meu assunto preferido. A L’Oréal tem desempenhado um papel crucial ao colaborar com startups e instituições locais para promover a inovação e sustentabilidade na indústria cosmética brasileira. A abordagem da empresa se baseia na cocriação e parcerias estratégicas com diversos atores, incluindo startups, instituições acadêmicas e até mesmo indústrias concorrentes, como visto na iniciativa global EcoBeautyScore. A grande ideia é realmente a cooperação.
E aqui no Brasil, justamente sendo um dos meus papéis como diretora de pesquisa avançada é poder implementar cada vez mais iniciativas com parceiros que possam propor soluções de novos ingredientes inspirados em biodiversidade brasileira, com tecnologias desenvolvidas para a pele e o cabelo brasileiros.
Um exemplo relevante no Brasil é o Sustainability Challenge, uma iniciativa que busca propostas voltadas ao cultivo sustentável, desenvolvimento de novos ingredientes e processos de fabricação mais eficientes. Essa competição recebeu 35 candidaturas globais, com seis startups brasileiras sendo selecionadas para apresentar seus projetos.
O Episkin Innovation Challenge foi outra iniciativa importante, que promove o uso de pele artificial em pesquisas, buscando alternativas para testes em animais e avançando em áreas como beleza regenerativa. Dessa competição, surgiram parcerias de longo prazo com startups finalistas, fortalecendo o compromisso da L’Oréal com a inovação responsável.
Outro ponto fundamental é o investimento do Grupo L’Oréal em parcerias com instituições brasileiras como o Senai e universidades, focando em temas como biodiversidade, naturalidade e métodos alternativos de testes. A empresa, inclusive, lançou a produção local de pele artificial em 2019, seguida pela córnea artificial em 2022, iniciativas que ajudam a atender às exigências regulatórias do país, diminuindo a dependência de importações e promovendo a ciência local.
Essas colaborações refletem o compromisso da L’Oréal com a inovação aberta e parcerias estratégicas, promovendo um impacto positivo na sustentabilidade da indústria cosmética.
*Oscar Lopes, publisher de NEO MONDO, viajou para Foz do Iguaçu a convite do Grupo L’Oréal no Brasil.