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POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Em entrevista exclusiva, Adriano Candido Stringhini, professor da Fundação Dom Cabral, nos revela a urgência de ações efetivas para o cumprimento das metas previstas pela Lei nº 14.026/2020
Nos últimos doze meses, a Iniciativa Imagine Brasil, liderada pela Fundação Dom Cabral (FDC), tem desempenhado um papel fundamental na identificação e proposição de soluções para os desafios que impedem a despoluição das águas interiores e continentais do Brasil. Num cenário em que cerca de 90 milhões de brasileiros ainda não têm acesso às redes coletoras de esgoto, o licenciamento ambiental se destacou como um fator estratégico essencial para acelerar os investimentos necessários na construção de Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs).
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Para abordar essas questões, foi desenvolvido o estudo técnico “Despoluição das águas interiores e costeiras do Brasil – Propostas para o aperfeiçoamento do licenciamento ambiental e instrumentos intersetoriais complementares”, em parceria com o Instituto Trata Brasil e com a colaboração do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável da Presidência da República. Este documento não apenas transmitiu o marco legal do saneamento, mas também identifica os principais obstáculos no licenciamento ambiental das ETEs, apresentando propostas objetivas para modernizar esse processo. O objetivo é reduzir os prazos de licenciamento enquanto aumenta o rigor técnico e a eficácia dos instrumentos de gestão ambiental, priorizando as melhores alternativas para a implantação das ETEs.
Adriano Candido Stringhini, professor da Fundação Dom Cabral, tem sido uma figura central neste esforço, conduzindo um grupo de especialistas que discutiram o documento com diversos setores do Governo Federal, Congresso Nacional, setor privado, academia e organizações da sociedade civil. As contribuições recebidas foram fundamentais para a elaboração de um estudo robusto e alinhado com as necessidades reais do país.
Com metas ambiciosas previstas pela Lei nº 14.026/2020, que prevê a universalização do esgotamento sanitário para 2033, a realidade atual, onde apenas 56% da população brasileira é atendida por redes coletoras de esgoto, revela a urgência de ações efetivas. O processo de licenciamento ambiental, muitas vezes considerado um gargalo devido à sua complexidade e demora, surge como um dos principais desafios para o cumprimento dessas metas.
Nesta entrevista, exploraremos com Adriano Candido Stringhini as principais descobertas do estudo, as propostas para o aperfeiçoamento do licenciamento ambiental das ETEs e os caminhos necessários para garantir a despoluição das águas brasileiras de forma sustentável e eficiente. Discutiremos também a importância do fortalecimento institucional, da educação ambiental, dos instrumentos econômicos e das especificidades do saneamento em territórios indígenas, quilombolas e assentamentos humanos rurais.
Prepare-se para uma conversa esclarecedora sobre um dos temas mais urgentes para o desenvolvimento sustentável do Brasil, conduzida por um dos principais especialistas no assunto.
Confira a entrevista na íntegra abaixo:
O estudo técnico da Iniciativa Imagine Brasil destacou o licenciamento ambiental como um gargalo para a construção de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). O que mais foi identificado como desafio para despoluir as águas interiores e costeiras do Brasil?
Além da questão do licenciamento ambiental para estações de tratamento de esgotos, também há o gargalo no desenho e estruturação de projetos para obtenção de financiamento, sobretudo para pequenas companhias municipais, na reforma tributária que poderá aumentar tributos para o setor em mais de 18% (segundo estudo da Abcon/Go Associados) e também na busca por novas soluções tecnológicas que atendam áreas isoladas com baixo custo e rapidez.
Em relação às regiões que mais sofrem com a ausência de saneamento básico, como Norte e Nordeste, quais são as principais barreiras que precisam ser superadas para melhorar essa cobertura?
As causas acima apontadas, mas em particular estruturação de projetos que sejam factíveis financeiramente para obtenção de financiamentos junto a bancos de fomento e investidores privados. Para isto, há também, sobretudo no Norte, a possibilidade de obtenção de créditos de carbono ou recebimento por serviços ambientais (PSAS), uma vez que o saneamento tem forte externalidade ambiental positiva e a falta de saneamento é a segunda causa geradora de gases de efeito estufa nas cidades com rios poluídos.
O licenciamento ambiental vigente é frequentemente apontado como demorado e processual. Quais são as principais mudanças que o estudo técnico propõe para modernizar e agilizar esse processo, mantendo o rigor técnico necessário?
As ETES e infraestruturas para coleta e tratamento de esgotos não são causadoras de poluição. Na verdade, são justamente o contrário, são parte da solução para despoluição de rios e águas costeiras. Assim, o licenciamento ambiental deveria ser aperfeiçoado para que fosse expresso e pudesse ser como na Europa, é saber receber uma autorização prévia para entrada em funcionamento e que fosse monitorado por 5 anos para que neste período se alcançasse os padrões de qualidade de água dos rios receptores desejada. No modelo atual, por conta na demora na busca por perfeição e desenho de uma meta utópica, entre o ótimo e o bom, ficamos com o péssimo, que é não colocar a estruturas para funcionar o quanto antes. Também é preciso dar mais apoio estrutura e pessoal para o corpo técnico das agências ambientais. Muitas têm falta de pessoal e material para que os processos fluam a contento.
Há consenso sobre o papel das ETEs na despoluição dos cursos d’água. Como o atual modelo de licenciamento trata as ETEs de maneiras inconvenientes e como o aperfeiçoamento desse processo pode acelerar os investimentos em infraestrutura de saneamento?
Acelerando prazo de licenciamento certamente reduziremos o prazo para universalização do saneamento. Hoje, alguns processos chegam a durar 5 anos. É um contrassenso já que é uma infra estrutura que contribui para a despoluição dos rios.
O estudo também menciona o impacto social e econômico das ETEs para o Brasil. Podemos explicar como a melhoria do saneamento pode influenciar o desenvolvimento sustentável e a prosperidade econômica do país?
Os investimentos em saneamento são os que mais possuem externalidades positivas para a sociedade, seja do ponto de vista ambiental, seja do ponto de vista social e do ponto de vista de saúde. Estudos do Trata Brasil e da OMS nos ensinam que investimentos em saneamento contribuem para redução da mortalidade infantil, para redução de internações por doenças por veiculação hídrica, também para redução do absenteísmo escolar e n trabalho. Além disso, é a segunda atividade que mais gera empregos diretos e indiretos. Do lado ambiental, é evidente a contribuição para despoluição de rios e águas costeiras, além de contribuir enormemente para redução da emissão de gases de efeito estufa, sendo, portanto, uma atividade capaz de gerar créditos de carbono. Outro ponto a destacar é que contribui para valorização imobiliária dos locais, sobretudo nas periferias das grandes cidades.
Como a falta de acesso ao saneamento básico afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida das populações que vivem em áreas sem cobertura de rede de esgoto?
Estas áreas têm índices maiores de doenças de veiculação hídrica, como diarreia. Também nestas áreas, a ocorrência de dengue é maior. Estudos da POMS apontam que para cada real investido em saneamento economizamos, ao menos, 4 reais em saúde.
Um dos caminhos apresentados no estudo é a ampliação do saneamento em terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação de uso sustentável. Quais são as particularidades e desafios para a implementação de ETEs nesses territórios?
Nestas áreas isoladas, o desafio está em encontrar soluções de baixo custo e rapidez de implementação que possam mesmo fora do grid (fora da rede) atender a estas populações. Hoje já temos soluções compactas que poderiam ser implementadas nestes locais, tanto para água, como para coleta e tratamento de esgotos. No parque tecnológico de São José dos Campos há, por exemplo, um projeto do Prof. Nicola de uma ETE compacta em um container que trata todo o esgoto do complexo. O novo marco do saneamento prevê que tanto áreas rurais como isoladas devem ser universalizadas.
Como a educação ambiental pode ser uma aliada na conscientização da população para a necessidade de um saneamento básico adequado e como o estudo aborda essa questão?
Infelizmente, em muitos locais, mesmo com as redes disponíveis às populações, não conectam suas casas a rede de esgotos. Por isso é fundamental a educação, a informação e a conscientização para que todos aprendam desde cedo que os benefícios são coletivos. A pandemia nos ensinou que estamos todos no mesmo barco e a falta de saneamento pode gerar crises de saúde que se espalhariam rapidamente por toda uma região, como viroses ou outras doenças tropicais como a dengue.
A inovação tecnológica foi mencionada como um caminho para a solução dos desafios de saneamento no Brasil. Quais são as principais áreas de pesquisa que podem contribuir para um tratamento de esgoto mais eficiente e menos custoso?
O desenvolvimento de soluções com baixo custo e portabilidade fora das redes (fora do grid) permitirão que muitas áreas isoladas e remotas com poucas residências possam receber também tratamento adequado. Hoje, como dito, já temos mini estações de tratamento de água, purificadores e mini estações de tratamento de esgoto que poderiam atender a estas comunidades.
O estudo aponta também para a necessidade de fortalecer as instituições ambientais. Que tipo de fortalecimento é necessário e quais seriam os primeiros passos para melhorar a capacidade de licenciamento e fiscalização dos órgãos competentes?
Sobretudo condições de trabalho, reforço de pessoal e também treinamento técnico para as novas realidades do setor.
Com os obstáculos atuais e o ritmo dos investimentos em saneamento, acredita que o Brasil conseguirá atingir a meta de 90% da população atendida por serviços de coleta e tratamento de esgotos até 2033, conforme estipulado pelo Novo Marco Legal do Saneamento?
Os desafios são enormes. Estamos falando de bilhões de investimentos por ano. Gosto de pensar no copo meio cheio e ainda penso ser possível, mas o deságio é enorme. Para isto, é preciso pensar fora da caixa, buscar soluções inovadores e simplificar processos burocráticos. Não é possível que nos dias de hoje, em muitos locais, estamos ainda no Brasil Colônia com condições deploráveis de acesso e com tantas mortes por falta de saneamento básico. O Brasil precisa curar esta chaga histórica e, com o novo marco, temos esta oportunidade. Basta que novas políticas estimulem os investimentos públicos e privados e que não criem barreiras a retardar o processo.