Imagem: Marcelo Uliana
Por – Manuela Bergamim, Embrapa Florestas, especial para Neo Mondo
Resultados de análises de solos e vegetação fluvial no oeste do estado provêm indicativos para políticas públicas
Estudo técnico-científico realizado pela Embrapa e parceiros mostra perda alarmante de nascentes e assoreamento de rios na região rural da Bacia Hidrográfica Paraná III (BHP III), localizada a oeste do estado. As análises consideraram caracterização de solos e clima, vegetação fluvial, geologia e processos erosivos, entre outros, e resultaram na publicação Anais da 1ª Reunião de Correlação e Classificação de Solos e Vegetação Fluvial (RCCSV). Com mais de dez artigos, o documento traz um capítulo com indicativos inéditos para orientar políticas públicas e tomadas de decisão voltadas, principalmente, ao uso de práticas mais sustentáveis de manejo do solo, vegetação e água na região.
Participaram do estudo a Embrapa Florestas (PR), a Embrapa Soja (PR) e o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), com patrocínio da Itaipu Binacional e do governo do estado do Paraná, além do apoio técnico da Universidade Federal de Lavras (Ufla), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Instituto Água e Terra (IAT) e Fundação de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento (Faped).
Segundo a pesquisadora da Embrapa Florestas Annete Bonnet, que fez parte do grupo coordenador da publicação, os resultados demonstram a necessidade da gestão mais integrada dos recursos naturais e a o desenvolvimento premente de ações que harmonizem a produção agropecuária e a preservação ambiental.
A perda de nascentes e o assoreamento de rios são provocados, entre outros fatores, por práticas de manejo inadequadas aplicadas à agropecuária, urbanização desordenada e desmatamento. Essas constatações tiveram como base os resultados do PronaSolos Paraná (levantamento dos solos paranaenses) e do projeto Ação Integrada de Solo e Água (AISA), além de apurações de pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Soja e o IDR-PR.
A erosão do solo, por exemplo, não degrada apenas a terra, mas também compromete a qualidade da água dos rios e lagos. De acordo com o pesquisador da Embrapa Florestas, Gustavo Curcio, que também é um dos coordenadores do RCCSV, um cenário de aumento da escassez hídrica impactaria profundamente a sustentabilidade dos ecossistemas e a qualidade de vida das populações, bem como as atividades de produção agrícola, um dos pilares da economia do estado.
O estudo apresenta os principais desafios para o manejo sustentável dos solos na região, como a erosão, a compactação e a perda de matéria orgânica. Mas, paralelamente, apresenta oportunidades para melhorar as práticas agrícolas e aumentar a produtividade de forma sustentável. O plantio direto, a rotação de culturas com o emprego de práticas agronômicas, o uso de coberturas vegetais e o manejo integrado de pragas e doenças são algumas das práticas que contribuem para a melhoria da qualidade do solo e a redução dos impactos ambientais.
Valdemar Bernardo Jorge, secretário de estado de Desenvolvimento Sustentável do Paraná, e um dos integrantes do grupo técnico, exalta os resultados trazidos pela publicação. “Esperamos que esse documento seja uma fonte de conhecimento e de inspiração para todos os que se interessam pelo desenvolvimento sustentável da BHP III, contribuindo para a valorização e a proteção dessa região que é uma das principais propulsoras econômicas do estado do Paraná”, afirma o secretário.
Estudo resultou na proposição de dez categorias de políticas públicas
Curcio explica que o estudo tentou repetidamente, em várias paisagens, destacar a necessidade de os técnicos ampliarem os quesitos básicos de análise de composição das pedossequências (sequências de solo observadas ao longo de uma paisagem), assim como suas potencialidades e fragilidades decorrentes. “A 1ª RCCSV apresentou aos participantes novas classificações de solos em diferentes cenários da BHP III, fato considerado importante para o planejamento de tratos de manejo diferenciados, além da apresentação de novas classes de solos para o Paraná”, observa.
Nesse contexto, a formulação de políticas públicas adequadas é essencial para implementar e fazer valer ações de conservação, manejo sustentável e educação ambiental. Mediante um processo participativo, o grupo de técnicos que integrou a RCCSV realizou, ao final dos trabalhos, a proposição de sugestões para políticas públicas, com a indicação de sete prioridades, entre dez categorias propositivas.
Segundo Bonnet, as indicações visam à implementação de ações permanentes e continuadas no meio rural do estado. “O ordenamento técnico de indicativos para políticas públicas, apontados pelos participantes do estudo, são oportunos para o governo do estado do Paraná, uma vez que advêm dos debates técnicos de um grupo plural de profissionais que atuam em diferentes setores e áreas do estado. Com base nesses dados, pode-se constatar que os apontamentos do grupo retratam estratégias importantes para o alcance da sustentabilidade no meio rural do Paraná, e que devem ser executadas em um contexto de planejamento interinstitucional, sobretudo, interdisciplinar”, destaca a pesquisadora.
Bonnet ressalta também outras contribuições trazidas pelo estudo. “A despeito dos esforços que vêm sendo efetuados pelo governo do estado e instituições vinculadas, além de cooperativas, órgãos de pesquisa, de transferência e de ensino, no sentido de conservar os recursos naturais da região, a publicação poderá trazer algumas complementações relativas à análise das interações de temáticas da paisagem e produtos gerados no meio rural. A região encontra-se com sistemas produtivos que adotam tecnologias de ponta, porém apresenta deficiências no que concerne à preservação de florestas fluviais, estejam elas em rios ou cabeceiras de drenagem”, complementa a pesquisadora.
Indicativos propostos pelo RCCSV
Entre as proposições do estudo, estão ações de capacitação integrada de técnicos das ciências agrárias para manejo da paisagem, com ênfase em solo, água e vegetação e criação de protocolos com parâmetros sobre potencialidades e fragilidades das paisagens. Outra indicação apontada se refere à integração técnica intra e interinstitucional para apoiar as secretarias de estado na criação de soluções e resoluções para o meio rural. Ainda como apontamento, destaca-se o manejo emergencial da erosão, tendo como uma de suas ações a criação de programas de adequação de terraços, implantação de áreas com cobertura verde e aumento da cobertura do solo, com a priorização de ações, considerando a fragilidade das paisagens.
Outras ações prioritárias indicadas pelo grupo técnico se referem ao desenvolvimento de uma base de dados georreferenciada e padronizada, que permita a integração dos dados e mapas; à valorização do componente florestal no sistema produtivo, considerando a produção de água e a fragilidade das paisagens; à criação e regulamentação de legislação que incentive a conservação de solo e água, assim como a garantia de pagamento aos produtores que conservam seus recursos, bem como o financiamento, via crédito rural, para propriedades que adotam práticas conservacionistas.
De acordo com Hudson Leonardo, engenheiro doutor em ciências dos Solos e Nutrição de Plantas, da Itaipu Binacional, a riqueza e profundidade de conteúdos abordados na 1ª RCCSV possibilitou que os participantes se debruçassem sobre a resolução de problemas, de forma a contribuir com as propostas que culminaram na publicação. “Discutimos temas desde perfis de solos e sua distribuição espacial na paisagem, relação com os processos ecológicos e hidrológicos das encostas, degradação das nascentes, influência da agropecuária nesses processos, até exemplos de sistemas de produção sustentáveis, como o sistema plantio direto com a adoção da rotação e da diversificação de culturas, e os sistemas integrados (Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF))”, conta o engenheiro.
Graziela Barbosa, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – Iapar – Emater (IDR-Parana), destaca o papel da instituição nos trabalhos que envolveram diversos atores. “Fizemos a conexão da pedologia com o manejo do solo considerado ideal, levando em conta a aptidão agrícola dos solos estudados. A integração feita entre diversas instituições públicas e privadas em prol de um único objetivo é muito importante para o entendimento dos solos na paisagem e isso leva à escolha das melhores práticas de manejo para uma agricultura conservacionista”, explica.
O pesquisador da Embrapa Soja Júlio Franchini vem pesquisando as relações entre pedologia e manejo do solo, no sentido de integrar estas informações para otimizar o uso de insumos, como sementes e fertilizantes, reduzir a compactação, aumentar a resiliência e aumentar a produtividade e rentabilidade dos sistemas de produção de grãos. “Queremos avançar no entendimento dos fatores mais limitantes em cada classe de solo e de que forma o manejo pode contribuir para reduzi-los, permitindo maior rentabilidade e estabilidade da produção em sistemas agrícolas e pecuários. Então, nosso foco é estabelecer as melhores práticas de manejo para as diferentes classes de solos”, detalha Franchini.
Um mosaico de paisagens: a diversidade dos solos paranaenses
A pesquisa revelou uma grande diversidade de solos na região oeste do Paraná, cada um com suas características, decorrentes de relações específicas do clima, geologia e vegetação. As sequências de solos que se desenvolvem ao longo de uma paisagem são fundamentais para entender a dinâmica e as potencialidades de cada área.
O componente geomorfológico foi analisado para aumentar a compreensão sobre a dinâmica hidrológica das pedossequências. A análise da mineralogia da fração argila, por exemplo, permitiu identificar fatores que influenciam a estrutura, a capacidade de retenção e infiltração de água, a fertilidade, além de aspectos relativos à suscetibilidade à erosão. Vale destacar que todos esses dados determinam a maior ou menor potencialidade de uso das paisagens.
Água: o potencial de recarga hídrica dos solos
A água é um recurso essencial para a vida e para os sistemas de produção. O estudo demonstrou que a capacidade de armazenamento nos solos varia significativamente de acordo com o tipo e a posição na paisagem. Solos mais profundos e com boa estrutura, como aqueles encontrados em áreas com relevos mais suaves, possuem maior capacidade de armazenar água, contribuindo para a recarga dos aquíferos e garantindo a disponibilidade hídrica durante períodos de seca. De forma contrária, também ficou retratada a ineficiência dos solos rasos na possibilidade de armazenamento de água, consequentemente, determinando alta fragilidade ambiental.
Vegetação Fluvial: protegendo as margens dos rios
A vegetação que margeia os rios desempenha um papel fundamental nas funcionalidades ecossistêmicas, tais como a proteção dos solos constituintes, a manutenção da diversidade biológica e da qualidade da água.
As raízes das plantas ajudam a fixar o solo, minimizando a erosão, enquanto a cobertura vegetal reduz o impacto das gotas de chuva, aumenta a infiltração da água e garante baixas amplitudes térmicas. Enfim, o estudo destacou a importância da conservação e da necessidade de recuperar as florestas fluviais que atualmente inexistem, propiciando melhorias na dinâmica dos recursos hídricos.