Violência e opressão policial na periferia, imagem gerada por IA – Foto: Divulgação
ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
A violência da polícia assusta, intimida. A imagem do policial jogando o rapaz sobre a amurada da ponte causa um misto de angústia e incompreensão. Se o papel da polícia é garantir a paz pública e a segurança dos cidadãos, onde se encaixa aquela cena? O mais grave, porém, são as autoridades buscando justificar, seja com palavras de apoio, seja com o silêncio que tenta normalizar a ação como um caso isolado, que não condiz com o conjunto da tropa. Mas como diziam na minha época, de grão em grão a galinha enche o papo. Os “casos isolados” se multiplicam diariamente e a exceção passa a ser uma investigação cuidadosa, a presunção da inocência, o rigor nos trâmites previstos na lei, a preservação da integridade física e moral do suspeito. A verdadeira batalha judicial que se transformou a obrigação do uso de câmaras de registro contínuo nos coletes dos policiais e a apuração dos abusos apenas quando há uma imagem de um celular corajoso demonstra que se quer esconder mais do que dar transparência a essa função pública tão importante, exercida por homens e mulheres tão valorosos, mas que, por erros de formação e por uma cadeia de comando que envia mensagens equivocadas, tem se transformado em um motivo a mais de pânico para boa parte da população das grandes cidades brasileiras. Já não bastavam os ladrões?
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Por outro lado, quando percorremos as redes sociais, os canais de YouTube, os inúmeros podcasts que falam sobre os temas do cotidiano, a mensagem predominante é a de que as medidas civilizatórias fundamentadas na Constituição Federal, que têm como viga mestre o conceito de dignidade humana, não passam de um entrave para que a polícia “faça o que deve fazer”, isto é, coibir a bandidagem. Nas últimas eleições , mais de 750 policiais e militares foram eleitos vereadores por todo o Brasil. Quase 50 prefeitos. Todos, ou quase todos, com o discurso de que é preciso “vigor” contra a bandidagem e que não adianta a polícia prender e a Justiça mandar soltar. Na verdade, a “Justiça manda soltar” porque há leis no Brasil, e se essas leis não forem seguidas, a prisão é ilegal. Ou seja, quem está cometendo um crime é a autoridade policial. Mas boa parte da população não quer saber desses filigranas, quer segurança e compreende que segurança só acontece quando o bandido está morto. “Pronto, esse não rouba mais celular de ninguém”. Interessante como esse “bandido morto” é quase sempre um pobre, preto , favelado. Quando é rico e influente, daí o discurso muda : é um tal de “a Justiça é autoritária”, “vivemos uma ditadura do Judiciário”, etc e tal. E , de uma maneira geral, não percebemos essa profunda contradição. Desvios de verbas milionárias da saúde, educação, fraudes na previdência, em licitações públicas, empresas dando golpes, e nada de clamor popular, nenhum grito de revolta e exigência da Justiça que parece tão “óbvia”para o ladrão do celular.
Admitamos: de uma maneira geral, a violência é a saída para eliminar da nossa frente o pobre com a arma na mão, seja um revólver, uma faca, roubando , quase sempre, outros pobres nas áreas pobres onde todos, enfim, misturam-se e quase não mais se distinguem, pelo menos aos nossos olhos. Agora, que a polícia não venha cantar de galo no nosso terreiro de privilégios, porque aí tascamo-lhes nossos advogados bem pagos e disparamos nossos contatos políticos para enquadrar os “agentes da lei”. Como lembrou o vice prefeito eleito da maior cidade do Brasil, Melo Araújo, sobre a diferença de atuação da polícia nos bairros nobres e na periferia da cidade: “É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado”.”Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui nos Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando.”
“O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento”.
Sem mais.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
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