Imagem: Divulgação
ARTIGO
Os artigos e informes publicitários não representam necessariamente a posição de NEO MONDO e são de total responsabilidade de seus autores. Proibido reproduzir o conteúdo sem prévia autorização
Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
Realizamos, na escola onde eu trabalho há mais de 30 anos, uma experiência com cerca de 50 jovens de 15, 16 anos, alunos do Ensino Médio. Pedimos que eles sentassem com colegas com os quais não tivessem familiaridade e que conversassem com eles por meia hora , registrando em uma folha, as impressões e informações que colhiam dessa conversa.
Leia também: A bondade de alguém
Leia também: Educação para a perda
Observamos a cena e o que víamos era um misto entre o angustiante e o embaraçador: um silêncio enorme, um deslocamento incrível de jovens da mesma idade, de condição social semelhante, estudando na mesma escola, com perspectivas de vida parecidas, experiências semelhantes, mas sem nada ou quase nada para comunicar um para o outro.
Mal havia terminado o tempo – alguns minutos antes, um dos alunos, visivelmente constrangido, perguntou: já podemos parar com isso? – os alunos se separaram e imediatamente pegaram seus celulares para ver o que “haviam perdido” das redes sociais naquela meia hora interminável de interação humana face a face.
Dos materiais recolhidos, o máximo de registro foram duas linhas com informações como nome, time de futebol ou jogo online preferido. Nada mais. Muitas páginas foram devolvidas em branco. Não parece ter havido, em nenhum dos grupos, uma interação que possa ter evoluído, nos dias seguintes, para uma amizade ou mesmo para um reconhecimento mais frequente.
Walter Benjamin, nos anos 30 do século passado, já havia percebido a diferença entre a vivência e a experiência. Vivência é o que nos acontece no dia a dia: acordar, tomar café, trocar-se para a escola ou para o trabalho, pegar o ônibus ou o carro, trocar breves comentários com os colegas, reagir às demandas das tarefas cotidianas. Experiência são as vivências que se tornam histórias por meio de uma narrativa e, como tal, referência para a vida de outras pessoas. Com a idade e com o acúmulo de vivências, muitos de nós escolhemos algumas delas, as mais marcantes, e as transformamos em narrativas que contamos para a família, para os amigos, às vezes registramos e outras pessoas leem e reproduzem , criando uma espécie de história padrão ilustrativa de certas situações comuns: um sufoco, um sofrimento, uma alegria, uma situação engraçada, uma surpresa incrível. Essas histórias compõem o fundo sobre o qual desenrolamos nossas vidas comuns, como em uma tela ou uma página de um caderno. Sem elas como referência, como um guia, não saberíamos como expressar o que se passa conosco em momentos fundamentais de nossa vida. Mas quando temos uma frase, uma imagem, um verso, um breve texto, um causo, uma piada, um ditado, um livro, um filme, uma história de família, uma experiência pessoal para servir de suporte, tudo ganha sentido e clareza. Sem isso, é silêncio e constrangimento.
A geração Z vive um fenômeno inusitado: o eterno presente. Nada do que já ocorreu e que permitiu que chegássemos aqui é importante para o universo de vivências deles. O iPhone 8 não faz sentido para eles, assim como a internet discada, ou o Orkut. Uma coisa não é a história de outra, sua possibilidade, sua razão de existir. As coisas apenas estão aí para serem usadas. O que não é útil e prático e imediato, não é. O Facebook não é, o TikTok é. Parmênides ficaria orgulhoso dessa adaptação contemporânea de sua máxima? Creio que não, porque o pensador de Eleia buscava compreender o Real que se esquivava para além das aparências. Hoje, só as aparências de Real é que contam. Enquanto contam. Mas ninguém parece mais ser capaz de contar isso pra ninguém.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: [email protected]
Instagram: @profdanielmedeiros