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ARTIGO
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POR – HENRIQUE PEREIRA*, ESPECIAL PARA NEO MONDO
Pela segunda vez, Donald Trump retira os EUA do Acordo de Paris. Agora, as possíveis implicações são muito diferentes
O recém-empossado presidente norte americano Donald Trump adotou como uma de suas primeiras medidas executivas a retirada dos EUA do Acordo de Paris – um acordo internacional vinculante que requer que países signatários publiquem planos para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) – repetindo a medida adotada em 2017 durante seu primeiro governo.
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Desta vez as implicações serão muito diferentes. Durante seu primeiro mandato, o Acordo de Paris possuía previsão para a manutenção dos países signatários por quatro anos após sua entrada em vigor em novembro de 2016. Na prática, os EUA permaneceram signatários do acordo durante quase todo o primeiro governo Trump. Durante o período, inclusive, uma equipe dedicada do Governo norte americano compartilhou com a China a presidência para a negociação do Enhanced Transparency Framework (ETF), padrão que especifica como as partes do Acordo de Paris relatam seus progressos.
Agora, a medida adotada pelo presidente norte-americano terá efeito em 12 meses, implicando na retirada efetiva dos EUA do Acordo de Paris em janeiro de 2026. Os desdobramentos ainda são incertos, mas é possível antecipar movimentos relevantes em três esferas: (i) ampliação do desafio do financiamento climático (ii) reações globais e posicionamento das partes do Acordo e (iii) espaço para consolidação de lideranças subnacionais e de agentes privados.
Financiamento Climático
A agenda chave de enfretamento da mudança do clima sofre, no curto prazo, o maior impacto. A COP29, em Baku, foi denominada a COP do Financiamento pela intenção de ampliar os compromissos realizados em 2009 pelos países desenvolvidos. O resultado foi um compromisso muito aquém do USD 1.3 trilhões anuais esperados: USD 300 bilhões por ano até 2035. A agenda de financiamento tem um papel importante não apenas para a mitigação de emissões, mas principalmente, para as necessidades de investimento em adaptação e construção de resiliência em um momento em que eventos climáticos extremos se multiplicam ao redor do mundo.
A saída norte-americana do acordo ampliará os desafios de mobilização de capital e poderá elevar as tensões das negociações ao reforçar a necessidade de contribuição dos países em desenvolvimento como Brasil, China e Índia. Em 2024, os EUA contribuíram com USD 11 bilhões segundo dados da Administração Biden, a maior contribuição individual de um país naquele ano. Deve-se ter em conta que os Estados Unidos são um dos maiores acionistas de bancos multilaterais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (IADB) que também deveriam contribuir para o compromisso de USD 300 bilhões e podem ser negativamente afetados pelas decisões do Governo Trump.
Fica, portanto, aberta a pergunta: quem assumirá o papel de preencher a lacuna de financiamento deixada pelo governo norte-americano? Há oportunidade para a União Europeia e o Reino Unido assumirem um papel de liderança e ainda a China ampliar compromissos voluntários. Por fim, há oportunidades para o setor privado, principalmente na agenda de mitigação. Como exemplo, na recente reunião do Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos, discutiu-se a continuidade dos investimentos em transição energética que totalizou USD 2 trilhões em 2024, o dobro do valor investido em combustíveis fósseis no mesmo ano.
Reações Globais
A história nos ensina duas lições importantes sobre o posicionamento de Donald Trump. Em seu primeiro governo observou-se um crescente papel de outros governos e do setor privado, com a União Europeia, por exemplo, ampliando seus compromissos de descarbonização, e a China se posicionando na liderança de pontos centrais do Acordo de Paris e na transição energética global, tanto na produção de equipamentos quanto na instalação de plantas solares e eólicas, atingindo seu compromisso de geração de eletricidade renovável em 2024, seis anos antes do prazo oficial.
Movimentos voluntários como o Race to Zero e o We Mean Business aceleraram suas atuações ampliando o engajamento e a participação de governos subnacionais e empresas privadas. Durante a COP19, a iniciativa “America is All In”, financiada pela Fundação Bloomberg, possuía seu próprio pavilhão demonstrando a continuidade de políticas estaduais e a participação proativa do setor privado. Portanto, há um histórico de resiliência da ação climática em escala global que poderá ganhar força a partir de 2025.
Por sua vez, mesmo antes de assumir oficialmente o cargo de presidente, foi possível observar durante a COP29 um movimento mais forte de defesa dos combustíveis fósseis, com a Arábia Saudita na liderança de um movimento de revisão de linguagem no texto final. Enquanto países buscavam maior clareza no phase-out dos combustíveis fósseis, a pressão saudita conseguiu manter os resultados e o texto adotado em Dubai (COP28).
No extremo, não será uma surpresa se outros governos ameaçarem ou mesmo se retirarem do acordo. Indiscutivelmente, a retirada dos EUA do Acordo enfraquece a diplomacia climática internacional e poderá afetar relações com parceiros históricos, com países questionando a confiabilidade e credibilidade do Governo Americano para acordos de longo-prazo.
Lideranças Emergentes
Como resposta o U.S Climate Alliance, iniciativa composta por 24 estados norte-americanos que representam 54% da população norte-americana e 60% do PIB nacional, se comprometeram a cumprir os objetivos assumidos pelo país de reduzir em 66% as emissões de gases de efeito estufa em 2035.
Outras iniciativas subnacionais também se posicionaram. A rede de prefeitos que integram o C40 reafirmou, no dia 21 de janeiro, seus compromissos com a agenda climática. Prefeitos de importantes cidades norte-americanas como Chicago (Brandon Johnson), Phoenix (Kate Gallego), Seattle (Bruce Harrell) e Boston (Michelle Wu) se posicionaram publicamente sobre a continuidade das ações e dos investimentos nas agendas de mitigação e adaptação. Em escala global, o prefeito de Londres (Sadiq Khan) e a prefeita de Paris (Anne Hidalgo) também vieram a público para reafirmar seus compromissos e a continuidade da ação subnacional na agenda climática.
Na agenda privada o movimento ainda é incerto. O setor financeiro, principalmente nos Estados Unidos, se retraiu e abandonou compromissos. A Net Zero Asset Managers Initiative (NZAM) encerrou suas atividades após uma debandada de gestores de Wall Street. Por sua vez, os compromissos corporativos seguem crescentes e importantes mercados têm apresentado crescimento e atraído novos investimentos. Segundo dados da BNEF, a transição energética seguiu em forte crescimento em 2024, com ampliação das instalações fotovoltaicas em 35%, eólicas em 5% e sistemas de armazenamento de energia em 76% em relação a 2023. As vendas de carros elétricos observaram um salto de 26%.
Inovações também têm movimentado investimentos e o interesse privado principalmente em hidrogênio verde e em tecnologias de Captura e Armazenamento de Carbono (CCS). Esses são exemplos que podem mudar o jogo para setores hard-to-abate, aqueles com altas emissões de GEE e elevados custos para reduzi-las, como O&G, indústrias de cimento, aço, vidro, química, alumínio e papel e celulose. Os prognósticos de crescimento são também positivos para minerais críticos e para o uso de biomassa para produção de combustíveis avançados para os setores de aviação (SAF) e naval (Metanol).
Portanto, o que esperar?
Os efeitos para os EUA deverão ser mais relevantes do que para o resto do mundo. Sob a perspectiva política observaremos uma ampla retração e “de regularização” nas agendas domésticas de clima e energia, com desdobramentos na diplomacia internacional, não apenas climática, mas potencialmente nos regimes de comércio internacional e nas instituições multilaterais. Para o mundo, a saída dos EUA do Acordo de Paris poderá ter um impacto menos relevante do que antecipado. Outros agentes têm se posicionado para preencher as lacunas de financiamento internacional, lideranças emergentes assumirão o papel deixado pelo governo federal norte-americano mantendo ações de mitigação que contribuirão, mesmo que abaixo do necessário, para as metas do Acordo de Paris, e os investimentos na transição energética continuarão, pois, seu sucesso implica em lucratividade e geração de valor para o setor privado.
Henrique Pereira é COO da WayCarbon.