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ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
Desde o sucesso da terceira lei de Newton, toda vez que pergunto qual é o contrário de Ação, meus alunos respondem: reação. Ok, faz sentido, embora a reação não é exatamente o contrário da ação, pois as forças de ação e reação possuem a mesma direção. O contrário da ação é a Paixão. Quando digo isso, faz-se um silêncio na sala de aula. Como assim?
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Pois então vejamos: quem age é o agente. E quem sofre a ação, como se chama? Paciente. A voz de quem age se denomina voz ativa. E na construção gramatical em que o sujeito da oração recebe a ação expressa pelo verbo chama-se voz passiva. O sujeito que recebe a ação é chamado de sujeito paciente. Pois é, tudo isso deriva da paixão.
Quando nos apaixonamos, como nos sentimos? Afetados pela beleza do outro, pelo fascínio do outro, pela presença do outro, ficamos mesmerizados, dominados, entregues. Na linguagem simples, dizemos que ficamos “caidinhos” por aquela pessoa. Entregamo-nos.
Na Medicina, o cliente do médico é seu paciente. Porque está a sua mercê, entregue aos seus cuidados.
Ser paciente é saber esperar, saber conter a ação, imobilizar-se para evitar que o impulso provoque algum resultado que não seja desejado.
A Paixão é o ato de aceitar a ação do outro, ou sujeitar-se, ou admitir, ou permitir, ou não evitar. Nos dias de hoje, a paixão é um desafio e tanto. Afinal, vivemos a era do protagonismo, da ação contínua e sem intervalo. Nos dias de hoje não parece haver tempo para a consciência do que sentimos, que implica um parar para refletir, um parar para permitir separar a sensação da consciência da sensação, que costumamos chamar de reflexão, isto é, um voltar-se para o acontecido e um olhar demorado para o ato, com o intuito de internaliza-lo e torna-lo um patrimônio , uma parte de nós e não somente uma mancha sem autoria no cotidiano. E o preço que pagamos por esse impulso febril da ação é a dificuldade de percebermos o que é realmente importante para nós.
Essa consciência sobre a paixão pode ajudar também a entender o significado da Paixão de Jesus, um dos momentos chave do Cristianismo. Jesus teria assumido o papel de cordeiro de Deus, aquele que se entrega ao sacrifício, que aceita ser imolado em nome dos outros; aquele que não é responsável pelo pecado, mas aceita ser punido para que os homens tenham uma nova chance de viver sem pecar. Jesus é um protagonista de uma ideia fascinante, a de quem é capaz de esquecer de si e de sua existência ( que é o ato de aparecer e de individuar-se diante dos outros) para destacar os outros, para permitir que os outros continuem em suas ações nesse mundo. A paixão de Cristo é lembrada pelos seus seguidores em ato de contrição, evitando festas e consumo de carne, o dia voltado para um ensimesmamento, buscando a compreensão do gesto extraordinário do homem que se entrega e ainda afirma: “Pai, perdoai, eles não sabem o que fazem”. Por isso Jesus se ofereceu à imolação, pois ele sabia que não é só da ação que vive o homem, mas também da aceitação do outro, da necessidade de permitir, da urgência de esperar, ouvir, aceitar, ceder, dar razão ao invés de querer estar certo em tudo.
A paixão é uma palavra controversa. Nem todos reconhecem seu significado como proponho aqui. Mas esse significado é o que melhor permite entender o gesto imenso de Jesus. Sua Paixão é o exemplo maior e ainda pouco compreendido. Todo ano, quando lembramos desse gesto, renova-se a esperança de que compreendamos sua extensão ,explicitada na última ceia, quando disse Jesus aos seus apóstolos: Isto é o meu Sangue, o Sangue da Aliança.
Aliança, esse é o grande desafio.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
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