“A fotografia pode mudar o mundo. Ela pode mover corações e mentes”, Sebastião Salgado – Imagem gerada por IA – Foto: Divulgação
POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Morre o homem, permanece a luz. Fotógrafo das almas e jardineiro do planeta, Sebastião Salgado nos deixou mais conscientes, mais comovidos — e eternamente gratos
“A fotografia é a escrita da luz. E algumas luzes nunca se apagam.”
Há quem passe pela Terra com pressa, de olhos fechados.
Sebastião Salgado atravessou o mundo com os olhos escancarados e a alma alerta — devagar, atento, profundo.
Hoje, o planeta amanheceu em silêncio.
Desapareceu o homem.
Ficou a imagem.
Ficou o gesto.
Ficou o rastro de beleza nos campos da dor.
Sebastião Salgado morreu — mas não se foi.
Porque há vidas que se transformam em raízes, há árvores que crescem depois da morte, há imagens que continuam iluminando mesmo depois de reveladas.
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O fotógrafo da humanidade essencial
Economista por formação, exilado por coerência, artista por vocação — Salgado foi um tradutor da condição humana.
Um cronista visual dos esquecidos da história, dos marginalizados do progresso, dos resistentes do silêncio.
Das entranhas de Serra Pelada às rotas de refugiados na África e nos Balcãs, ele não fotografava a miséria — fotografava a dignidade em ruínas, a beleza que resiste na lama, o respiro da esperança em territórios desfeitos.
Cada imagem sua era um grito.
E, ao mesmo tempo, um sussurro.
Um soco de ternura. Uma denúncia em luz natural.
Quando tudo parecia perdido, ele escolheu plantar
Nos anos 1990, após testemunhar os horrores das guerras e do deslocamento forçado, Salgado retornou com Lélia Wanick Salgado à antiga fazenda da família, em Aimorés, Minas Gerais.
O que antes era floresta, agora era terra árida.
O que antes era vida, era pó.
A maioria desistiria.
Eles decidiram reflorestar o impossível.
Nascia o Instituto Terra — uma utopia de mudas nativas e resiliência.
Mais de 2,7 milhões de árvores foram plantadas. Nascentes voltaram a correr. A fauna retornou. A paisagem floresceu.
A esperança, essa planta rara, vingou.
“Recuperar a terra foi como recuperar a nós mesmos.”
— dizia Salgado, com a serenidade de quem viu o abismo — e semeou um caminho de volta.
Do grito à cura: a obra completa
Se antes Salgado fotografava os exilados da Terra, nos últimos anos ele passou a revelar os lugares que ainda escapam da destruição humana.
Em Gênesis, percorreu os cantos intocados do planeta: tribos isoladas, geleiras sagradas, desertos imaculados.
Foi seu cântico final. Sua ode visual à Terra antes da queda.
Salgado não era apenas um fotógrafo. Era um arqueólogo da empatia, um poeta da luz natural, um testemunho vivo de que é possível preservar a dignidade — e a floresta.
O homem que plantava imagens e árvores
Sebastião não buscava fama.
Buscava sentido.
Transformou sofrimento em narrativa. Transformou desolação em urgência. Transformou uma fazenda morta em floresta viva.
Ele nos ensinou que é possível regenerar o mundo — com tempo, amor, humildade e convicção.
E nos deixou o melhor tipo de herança: uma causa plantada. Uma floresta de ideias. Um projeto que floresce.
O Instituto Terra segue pulsando. As árvores crescem. Os olhos despertos continuam a ver o que antes era invisível.
Um adeus que é recomeço
Sebastião Salgado nunca fotografou o fim.
Sempre capturou o instante anterior à esperança.
A fresta na sombra. O gesto que resta. O suspiro que salva.
Por isso sua morte não é ausência.
É presença transformada.
É uma luz que passa a nos guiar de outro lugar.
Que a Terra, que ele tanto amou e protegeu, o acolha como se acolhe uma árvore antiga.
E que nós, herdeiros desse olhar, sejamos dignos da floresta que ele deixou.