A confiança entre empresas e universidades não nasce da boa vontade, mas de regras claras – Imagem gerada por IA – Foto: Divulgação
POR – CAROLINA DA COSTA
Dois vetores impulsionam uma transformação profunda na conexão entre a academia e o mundo corporativo, tracionando um papel mais estratégico das empresas junto às universidades. De um lado, uma redução acumulada do orçamento público destinado à ciência no Brasil, que, na última década, encolheu R$ 117 bilhões (segundo dados do Observatório do Conhecimento). De outro, o aumento da complexidade dos desafios corporativos, exigindo soluções baseadas em dados, evidências e multidisciplinaridade.
Leia e assista também: greenTalks entrevista Carolina da Costa, Chief Impact Officer da StoneCo
Leia também: O Brasil que envelhece rápido: inovar para não colapsar
Há um crescente interesse em vínculos estruturados e de longo prazo entre academia e empresas: financiamento de cátedras acadêmicas; centros de pesquisa aplicada (como o caso do Grupo Boticário e do Einstein, voltado à saúde da mulher; ou o Stone Lab, na PUC-Rio, para promover ciência aplicada); parcerias em pesquisas inéditas publicadas em periódicos de alto impacto (como o estudo conduzido por Sergio Lazzarini, Sandro Cabral, Octavio de Barros e Leandro Nardi sobre o impacto da educação financeira no desempenho de empreendedores, em parceria entre Stone, Insper e HEC Paris); bolsas de pós-graduação; desenvolvimento de tecnologias com ICTs; e programas de intercâmbio entre cientistas e executivos.
O investimento social privado — hoje estimado em torno de R$ 5 bilhões por ano no Brasil, segundo o GIFE — torna-se, assim, uma importante alavanca para a produção de conhecimento estratégico, com impacto tanto no bem público quanto na criação de valor para os negócios.
Essa nova forma de atuação vai muito além dos incentivos fiscais tradicionais na linha de P&D, como os previstos na Lei do Bem ou na Lei de Informática. Trata-se de uma mobilização intencional de recursos corporativos para apoiar linhas de pesquisa críticas e fomentar o uso de bases de dados reais e anonimizadas em investigações científicas — algo que já ocorre, em parte, nos estudos conduzidos por bancos e plataformas de crédito junto a centros especializados em economia e ciência de dados.
Ao compartilhar com universidades seus desafios concretos — ou simplesmente ao acolher oportunidades de pesquisa vindas da academia, oferecendo dados operacionais e infraestrutura tecnológica —, as empresas ampliam exponencialmente sua capacidade de gerar conhecimento aplicável, atrair talentos altamente qualificados e inovar com base científica. Em contrapartida, as instituições acadêmicas ganham acesso a objetos empíricos robustos e à oportunidade de produzir ciência com alto poder de transformação social e econômica.
Contudo, esse novo arranjo exige maturidade institucional, governança e clareza de papéis. Para que essas parcerias sejam frutíferas e éticas, é fundamental garantir:
• Liberdade de cátedra e autonomia metodológica
• Transparência sobre o uso de dados e divulgação de resultados
• Comitês mistos de governança e publicação independente
• Produção de conhecimento público
• Gestão empresarial comprometida com revisões e aprendizados de longo prazo — inerentes à dinâmica dos projetos de pesquisa
A confiança entre empresas e universidades não nasce da boa vontade, mas de regras claras, mecanismos institucionais e compromissos explícitos. Afinal, os objetivos da academia — crítica, investigação, formação — não são necessariamente os mesmos do setor corporativo — desempenho, impacto, escalabilidade. A maturidade está em operar na intersecção, e não na assimilação de um polo pelo outro.
Ao mesmo tempo, as universidades precisam desenvolver capacidade de escuta e articulação com outros saberes e linguagens. O conhecimento acadêmico continua sendo plural, rigoroso e crítico, mas pode — e deve — intensificar o diálogo com os problemas do mundo real, inclusive os enfrentados pelo setor privado, como a transição energética, a segurança alimentar, os modelos paramétricos ou as redes logísticas sustentáveis.
O risco de instrumentalização da ciência existe, mas não deve paralisar a colaboração. Ele precisa ser enfrentado com inteligência institucional, critérios éticos e diálogo contínuo. Quando bem estruturadas, essas parcerias permitem que a ciência continue sendo o que sempre deve ser: um bem coletivo, alimentado por múltiplos atores, interesses e visões de mundo.
Do lado do capital privado, isso representa um investimento em inteligência coletiva e inovação sistêmica — com reflexos na formulação de políticas públicas, na reputação empresarial e na competitividade responsável.
Mais do que financiar a ciência, trata-se de participar dela — com respeito, visão de longo prazo e um compromisso real com o desenvolvimento sustentável do país.
Chief Impact Officer da Stone Co, liderando as frentes de inclusão produtiva na base da pirâmide (microcrédito, blended finance com veículo filantrópico e educação financeira) e integração ESG financeira e institucional. Foi originadora e captadora de fundos para Maua Capital no tema sustentabilidade no agro. Presidente do Comitê ESG do Grupo Boticário. Prêmio profissional do ano em Inovação em Sustentabilidade pela ANEFAC (2021). Conselheira LATAM Solidaridad Network. Conselheira de Desenvolvimento da PUC Rio. Foi diretora de inovação, saúde digital, pesquisa e ensino do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, onde permanece como conselheira estratégica. Ex-VP de Graduação do Insper, atualmente Conselheira do Hub de Inovação e do Comitê de Ensino e Pesquisa e também professora de educação executiva nos temas pensamento crítico e sistêmico.
Administradora pública, M.S. pela EAESP-FGV e University of Texas at Austin, e PhD em Educação e Cognição pela Rutgers University.