Imagem gerada por IA – Foto: Divulgação
POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Em meio à imensidão verde da Amazônia, às margens do rio Xingu, um flagrante silencioso reacende a esperança. As câmeras de monitoramento da Área de Preservação Permanente (APP) da Usina Hidrelétrica de Belo Monte registraram a presença de uma anta — o maior mamífero terrestre da América do Sul e, paradoxalmente, um dos mais vulneráveis à extinção.
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A Tapirus terrestris, como é conhecida pela ciência, caminha solitária entre as sombras da floresta, desempenhando um papel vital: ao se alimentar de frutos e sementes, ela espalha vida. É por isso que foi apelidada de “jardineira da floresta”. Sua presença não é apenas poética — é ecológica, funcional, indispensável.
E, no entanto, essa guardiã da regeneração encontra-se sob ameaça. O avanço do desmatamento, a caça ilegal, os atropelamentos em rodovias e a baixa taxa de reprodução — apenas um filhote a cada dois ou três anos — tornam sua sobrevivência um desafio constante. Mesmo assim, ela persiste. E, agora, reaparece.
Um símbolo da resistência
O registro recente não é um fato isolado. Ao longo de 13 anos de monitoramento, a concessionária Norte Energia já documentou mais de 250 ocorrências da espécie, entre avistamentos, pegadas e outros vestígios. São rastros de vida que testemunham a resiliência da natureza mesmo em regiões de alta interferência humana.
Segundo Roberto Silva, gerente de Meios Físico e Biótico da Norte Energia, “a presença constante de espécies sensíveis como a anta em áreas sob nossa influência é um sinal de que o ecossistema está saudável e que nossas ações de conservação estão funcionando. Ela é, literalmente, um termômetro da floresta”.
E que floresta! A APP que cerca Belo Monte cobre 26 mil hectares — uma extensão equivalente a 25 mil campos de futebol. Uma área viva, pulsante, onde câmeras camufladas já flagraram outros tesouros da fauna brasileira, como a ariranha, o gato-mourisco e os três maiores felinos das Américas: jaguatirica, onça-parda e onça-pintada.
Quando a floresta responde
Cada imagem capturada por essas lentes não é apenas um dado — é uma resposta. É a floresta dizendo que ainda respira, ainda luta, ainda guarda esperança. Mais de 800 espécies já foram documentadas, entre répteis, anfíbios, aves e mamíferos. Uma constelação de biodiversidade que ilumina o caminho da conservação.
Ver a anta surgir no coração da Amazônia, em tempos de emergência climática, é mais do que um evento isolado: é uma convocação. Um chamado à responsabilidade, à continuidade dos esforços e à valorização de estratégias que aliam produção de energia com respeito à vida.
Entre tecnologia e ancestralidade
A história da anta no Xingu nos lembra que não existe futuro possível sem reconciliação com a natureza. E que proteger os ecossistemas vai além de números — é também proteger culturas, saberes, ciclos e a própria ideia de pertencimento.
Se há algo a aprender com esse reencontro silencioso entre a câmera e o animal, é que a regeneração não é apenas possível — ela já começou. E está em curso, mesmo que ainda longe dos olhos, no silêncio da floresta, no caminhar cauteloso da anta.
Que essa imagem ecoe como um símbolo: onde há conservação, há esperança. E onde há esperança, ainda há tempo.