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POR – SUCENA SHKRADA RESK* (350.ORG BRASIL) / NEO MONDO
Audiência pública sobre medidas contra impactos ambientais em Comissão no Senado destaca situação crítica de pescadores artesanais e marisqueiros (as)
“A Medida Provisória (MP 908/2019) não contempla a maioria dos pescadores artesanais e marisqueiros (as) afetados no Nordeste. Muitos de nós estamos passando fome. Trabalhamos dignamente e agora não podemos trabalhar. Na feira livre somos humilhados por causa do óleo e as pessoas não querem comprar. Muitas de nós, pescadoras, sustentamos nossas casas e como conseguiremos manter as contas em dia?”, desabafou hoje Maria Eliene Pereira do Vale (Maninha), pescadora artesanal da comunidade de Fortim, no Ceará. Um depoimento forte e impactante que reflete a situação de milhares de famílias que dependem da pesca.
E concluiu – “Na questão de saúde, estamos comendo esse peixe e marisco e não sabemos o comprometimento (porque não têm como adquirir outros alimentos). O governo deveria mandar pessoas nas nossas bases para ver esta situação. Só nós, das comunidades tradicionais, sabemos o que estamos passando”.
Esta pescadora artesanal foi ouvida na fase final da audiência pública sobre medidas contra impactos ambientais promovida pela Comissão Temporária Externa de Enfrentamento às Manchas de Óleo do Senado Federal, realizada nesta quinta-feira (05/12), em Brasília.
Reprodução imagem de audiência no Senado – pescadora artesanal Maria Eliene, do CE, dá seu depoimento
O que é a MP 908/2019?
Aprovada em 28 de novembro de 2019, a MP`908/2019 institui o Auxílio Emergencial Pecuniário para os pescadores profissionais artesanais inscritos e ativos no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGAP), com atuação em área marinha ou em área estuarina, domiciliados nos Municípios afetados pelas manchas de óleo.
Segundo João Crescêncio, secretário-adjunto de Aquicultura e Pesca, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), neste registro foram identificados 65.983 pessoas em 128 municípios atingidos na costa nordestina, de acordo com bases de informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Estes beneficiários terão direito a dois salários mínimos adicionais (R$1.996, em valores atuais) concedidos pelo Ministério da Cidadania aos valores mensais do seguro defeso, que são pagos por meio do INSS. Segundo ele, estão inclusos marisqueiros nesta lista.
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O que está sendo questionado?
Ormezita Barbosa, secretária-executiva nacional do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), que participou da mesa da audiência pública, expôs que o número de 65.983 beneficiários não corresponde à quantidade real de pescadores artesanais e marisqueiros (as). “O MAPA expôs em outubro, que havia na região 159 mil pescadores e somente 65.983 estão sendo atendidos pela MP. Qual é a mágica e o critério utilizado para a redução de quem vai receber o auxílio emergencial. Qual é o critério de quem vai comer e de quem não vai?”.
Segundo ela, historicamente, nos últimos anos, o RGAP tem sido motivo de chacota, porque no sistema foram detectados muitos casos de fraude e se tornou frágil. “Mas a própria Secretaria de Pesca informou em 2014, que houve um apagão no sistema, e 40 mil pessoas tiveram suas atividades perdidas. Neste grupo, sabemos que há muitos que estavam prestes a se aposentar e outros à beira de comprometimento da sobrevivência”, disse.
Mais um questionamento de Ormezita é quanto ao limite de “dois meses de salários” da MP. “As pessoas estão sendo impedidas de trabalhar…este prazo não dá conta de as pessoas se alimentarem”, afirmou, diante de um problema que não tem data certa para ser solucionado.
“Agentes da CPP, desde o final de agosto, estão acompanhando muitas famílias nordestinas afetadas. “Estamos vendo como principalmente as mulheres pescadoras estão sendo afetadas. É um crime socioambiental, com impacto à saúde e trabalho. No litoral da BA, por exemplo, vimos petróleo denso em áreas de recifes, locais de catação de marisco e em grandes áreas de corais e manguezais, que estão comprometidos pelos impactos cumulativos”, contou.
Outro ponto que preocupa a secretária-executiva do CPP é com relação à saúde de voluntários que ajudam nas coletas do óleo, como será avaliada essa exposição, já que muitos não tinham ou têm equipamento de proteção individual (EPI).
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Sistema de registro falho
“O sistema atual do RGAP é falho, não tem dados do cadastro necessários. Contratamos no início do ano um novo sistema para recadastramento dos pescadores no país. O problema é que ao fazer as normativas, de maio a junho, foram levantadas legislações dúbias com as mudanças da área de pesca em diferentes governos. Agora estão sendo revogados os decretos antigos e o desastre (do vazamento do óleo) foi inesperado”, alegou.
Somente no início do ano 2020 está programado o recadastramento. “Primeiramente serão cadastradas as entidades representativas, que ficarão autorizadas para fazer o procedimento. Pescadores (as) autonomamente também poderão fazê-lo”, afirmou.
Ele alegou que a quantidade de beneficiários na MP 908/2019 só se refere à área marinha e estuarina. “Muitos que não estão nesta lista, estão cadastrados em água doce, por isso, essa diferença”. E complementou que já existem 32 emendas propostas, mas que também há necessidade de dotação orçamentária a ser ampliada.
O argumento foi rebatido por Ormezita. “Em 2015, a Secretaria de Pesca, à época, informava que havia cerca de 470 mil pescadores; em 2019, 159 mil. No ano de 2012, parou de ser emitido o registro e muitos novos pescadores ficaram fora da lista e outros agora também neste registro questionado, com perdas de dados. E alertou novamente – muitos estão em situação de fome”.
Cobrança da comissão
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), relator da Comissão, reforçou a necessidade de a Secretaria de Aquicultura e Pesca priorizar a situação de segurança alimentar dos pescadores e pescadoras artesanais, diante das distorções de dados sobre a quantidade de milhares que estão sem assistência, que foi apresentada na audiência.
Mais um pedido de esclarecimentos e providências sobre essa discrepância de números e de medidas mais assertivas partiu da senadora Zenaide Maia (PROS-RN). “…Eu, como do RN, estou dizendo que os danos continuam…”, reforçou citando o que tem presenciado e ouvido de relatos em seu estado de origem.
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Situação geral dos efeitos do vazamento
Até agora, o Governo Federal não tem respostas sobre a origem e causadores do vazamento do petróleo cru que atingiu o litoral nordestino e já chegou no Rio de Janeiro, atingindo um total de 889 localidade, em 128 municípios de 11 estados, até o dia 4 de dezembro, desde o primeiro registro identificado em 30 de agosto, no relatório mais recente do Ibama. Neste período, também foram registrados oficialmente 108 animais mortos. Quando irá cessar seus efeitos imediatos também é uma incógnita. A única certeza é de que será necessário o monitoramento por muitos anos de todo o comprometimento causado. A cobrança exposta, de maneira geral, durante a audiência pública, é de que haja um aprofundamento nesta área, porque o Brasil demonstrou estar despreparado para este porte de desastre socioambiental.
Segundo o almirante Leonardo Puntel, da Marinha do Brasil, que coordena o Plano Nacional de Contingência federal, há três inquéritos tramitando: um na esfera da Polícia Federal (RN); um segundo na Capitania dos Portos, em PE, e o terceiro na esfera da Diretoria Geral da Capitania, no RJ. “Temos apenas indícios, mas não temos ainda provas”, afirmou na audiência pública de ontem.