Alardeado como nova fronteira agrícola do país, estado reproduz problemas enfrentados em toda a Amazônia durante o “boom” do agronegócio: desmatamento, grilagem de terras e conflitos no campo.
Em setembro de 2016, o navio Alexia zarpou do Porto de Santana, próximo à foz do rio Amazonas, a 18 quilômetros de Macapá, com destino a Liverpool, na Inglaterra, transportando cerca de 25 mil toneladas de soja comercializada pela empresa Fiagril e importada pela Mitsui & Co Group. Ainda que a exportação de soja pelo estado do Amapá tenha começado em 2014, esta foi a primeira vez que os grãos saíram diretamente por um porto do estado.
A exportação foi amplamente comemorada pelos produtores e pela elite política local nos meios de comunicação do estado, com a promessa de que a soja catalisaria o desenvolvimento econômico da região.
Historicamente, no entanto, o avanço do agronegócio para exportação vem acompanhado por desmatamento ilegal e concentração fundiária, com danos que atingem principalmente camponeses e populações locais. No Amapá, não é diferente: comunidades quilombolas e antigos posseiros que aguardam a regularização fundiária de seus territórios vivenciam uma crescente tensão com os recém-chegados, que rapidamente conseguem licenças para exercer atividades agropecuárias.
Entre janeiro e setembro de 2017, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) embargou 47 áreas no estado Amapá por desmatamento ilegal. Deste total, 34 embargos resultaram da operação "Nova Fronteira", realizada pelo IBAMA no estado entre junho e julho de 2017. O Greenpeace visitou algumas dessas áreas e conversou com comunidades que já sentem na pele os impactos da rápida e recente expansão do agronegócio na região.
Desmatamento ilegal no rastro da soja
O bioma Amazônia é composto quase todo por formações florestais. Mas outras paisagens, como cerrados ou lavrados e campinas, conhecidas como não florestais, também podem ocorrer. Até hoje, os sistemas oficiais de monitoramento do desmatamento na Amazônia vêm ignorando estas áreas, dificultando a fiscalização e a devida responsabilização pelos crimes ambientais cometidos. Só no Amapá, as áreas de Cerrado ocupam cerca de 1 milhão de hectares.
As condições geográficas do estado aliadas à capacidade portuária (tem o porto brasileiro mais próximo do Canal do Panamá, Estados Unidos e Europa) e o baixo preço das terras quando comparado a outros estados produtores de soja contribuem para alardear o Amapá como a "nova fronteira agrícola do Brasil", acelerando a ocupação de terras pelo agronegócio. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) no Amapá, o estado possui cerca de 400 mil hectares de sua área de Cerrado aptos para a agricultura. Nos últimos cinco anos, a área de soja plantada no Amapá quadruplicou, passando de 4.550 hectares em 2013 para 18.900 em 2017.
Ao longo de 2017, o Ibama embargou 47 áreas por desmatamento ilegal no Amapá, abrangendo os municípios de Cutias, Vitória do Jari, Itaubal, Macapá, Tartarugalzinho, Ferreira Gomes, Calcoene, Pracuuba e Oiapoque, somando pelo menos 11.748 hectares de vegetação nativa destruída. Até o final de setembro (24/09), entretanto, dos 47 processos registrados, 24 não se encontram mais na lista pública de embargos do Ibama – o equivalente a 84% da área total (em hectares) embargada em 2017. Os desembargos ocorreram com uma rapidez incomum a esse tipo de processo, que historicamente pode levar anos até sua conclusão.
Embora muitas das áreas embargadas na operação Nova Fronteira estivessem licenciadas para cultivo pelo Instituto do Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do Estado do Amapá (Imap), nenhuma apresentou autorização do órgão ambiental para a supressão de vegetação – exigência prevista no artigo nº26 da Lei nº12.651 de 2012 (novo Código Florestal).
Mapa mostra os embargos por desmatamento no estado do Amapá em 2017
O Greenpeace esteve em 18 das 34 áreas embargadas pela operação Nova Fronteira. Destas, 83% estavam ocupadas por soja. Com base na lista disponibilizada pelo Ibama, foi possível constatar que algumas áreas embargadas pertencem a produtores ligados à Associação do Produtores de Soja (Aprosoja). Na lista aparecem, ainda, nomes envolvidos em conflitos pela terra com as comunidades locais.