Biodiversidade

Em vitória histórica, equatorianos barram petróleo no Parque Yasuní

Escrito por Neo Mondo | 22 de agosto de 2023

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O Parque Nacional do Yasuní, na Amazônia equatoriana - Foto: Juan Crespo

POR - LEILA SALIM E PRISCILA PACHECO, OBSERVATÓRIO DO CLIMA / NEO MONDO

Consulta pública no dia da eleição presidencial tem 60% de votos para parar extração em território biodiverso da Amazônia; fim de mineração de ouro em Quito também passou 

Em plebiscito realizado junto às eleições presidenciais e parlamentares do Equador no último domingo (21/8), 60% dos equatorianos decidiram paralisar a exploração de petróleo em um dos blocos localizados no Parque Nacional Yasuní, na Amazônia. A vitória histórica da floresta, de seus povos e do planeta é resultado de uma batalha judicial de uma década de organizações da sociedade civil, que conquistaram a realização do plebiscito através de uma campanha popular. Sessenta e oito por cento dos eleitores também votaram a favor do fim da mineração no Chocó Andino, região perto da capital Quito.

As consultas aconteceram em meio a eleições tensas, antecipadas após Guillermo Lasso, atual presidente, dissolver a Assembleia Nacional do país diante da abertura de um processo de impeachment, em maio deste ano. No último dia 9 de agosto, a menos de duas semanas do pleito, o candidato à presidência Fernando Villavicencio foi assassinado a tiros quando saía de uma atividade de campanha.

A eleição presidencial será decidida em segundo turno, em outubro. A esquerdista Luisa González, aliada do ex-presidente Rafael Corrêa, foi a mais votada, com 33% dos votos, e concorrerá com o segundo colocado, Daniel Noboa, filho do megaempresário e político Álvaro Noboa, que obteve 24% dos votos.

Luisa González já se manifestava desde 2013 contra as reivindicações de manter o petróleo intocável em Yasuní. A candidata não mudou de posição durante a campanha. Já Noboa disse que votaria a favor da interrupção da exploração, pragmaticamente argumentando que “o petróleo equatoriano não representa lucro”.

Juan Crespo, coordenador de pesquisas na aliança de organizações indígenas Cuencas Sagradas, considera que o resultado é uma grande vitória para o país. “Uma clara maioria do país decidiu manter o petróleo debaixo da terra. É uma grande notícia, uma consciência de respeito à vida, à natureza e aos povos indígenas isolados”, diz. O pesquisador também celebra o resultado sobre o Chocó Andino e espera que os plebiscitos reafirmem a necessidade de reconstruir um país pós-extrativista, no qual sejam criados outros modelos de desenvolvimento.

Eduardo Pichilingue, integrante do Coletivo Yasunidos – organização que promoveu a campanha pela consulta popular –, também celebra. “Agora está muito claro que a população no Equador está muito sensibilizada por estes temas, está muito preocupada com o que acontece com o meio ambiente. O que os cidadãos equatorianos estão dizendo é que é o momento de mudar, que é o momento de buscar soluções econômicas e mudar o modelo econômico”, diz Pichilingue, lembrando que as lutas pela proteção do Yasuní são mais antigas que a disputa judicial que garantiu a realização do plebiscito.

Ele ainda destaca que as vitórias nos dois plebiscitos merecem aplausos, mas alerta que as reivindicações não devem parar, especialmente na Amazônia. “Com o encerramento [da exploração de petróleo] no Yasuní, é muito provável que os olhos da indústria petroleira se voltem para o sul do país, que deve ser defendido da mesma maneira”, comenta.

Sim à floresta

Com a maioria de suas reservas petrolíferas localizadas na Amazônia, o Equador explora combustíveis fósseis há 51 anos. Parte delas está no Parque Nacional Yasuní, que, com 10 mil quilômetros quadrados, é território de povos indígenas e abriga milhares de espécies da rica biodiversidade amazônica.

O plebiscito do último domingo foi resultado de uma década de mobilização. Desde 2013, o Coletivo Yasunidos organiza uma campanha pelo direito de a população decidir se aceita ou não a exploração de petróleo no chamado Bloco 43, do qual fazem parte os campos Ishpingo, Tambococha e Tiputini (conhecidos pela sigla ITT). Iniciada com coleta de assinaturas, a campanha pressionou a Justiça equatoriana por todos esses anos, até que, em maio deste ano, a Corte Constitucional do Equador reconheceu o direito à realização do plebiscito.

Enquanto isso, as petroleiras conseguiram, em 2016, iniciar a extração de petróleo no campo Tiputini. Em 2019, o povo indígena waorani conquistou na Justiça o direito de impedir a exploração fóssil no bloco 22, localizado em seu território.

Finalmente, neste 20 de agosto, a população equatoriana foi convocada a responder à pergunta: “Você concorda que o governo equatoriano mantenha as reservas de petróleo do ITT, conhecido como Bloco 43, indefinidamente abaixo do solo?”. A vitória do “sim”, com 60% dos votos, obriga a estatal Petroecuador a sair do bloco em no máximo um ano.

Sofía Torres, também integrante do Coletivo Yasunidos, apresentou na tarde desta segunda-feira as reivindicações da sociedade para o pós-plebiscito. Entre elas está a elaboração de um plano integral e concreto para a retirada organizada e progressiva da infraestrutura petroleira do Bloco 43, que inclua a reparação integral da natureza e às comunidades e seja coordenado com os proponentes do plebiscito, o movimento indígena e o Estado.

“Este plano deverá incluir uma política integral de proteção ao Yasuní a médio e longo prazo, desenvolvida pelos povos e nações indígenas e na qual o Estado garanta os direitos da natureza e os direitos humanos, proteja a floresta diante das ameaças extrativistas e cumpra o caráter plurinacional estabelecido pela Constituição, respeitando a autonomia e a autodeterminação dos povos”, afirmou Torres, em entrevista coletiva organizada pelos movimentos indígenas e organizações da sociedade civil. “Nas últimas semanas, fomos notícia. Agora, juntas e juntos, estamos fazendo história”, finalizou.

Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, a vitória no Equador deve servir de exemplo para o Brasil: “Esperamos que o governo brasileiro se mire no exemplo equatoriano e decida fazer a única coisa compatível com um futuro para a humanidade e com a liderança que o Brasil quer ter na luta contra a crise climática: deixar o petróleo da Foz do Amazonas no subsolo e apoiar, quando assumir a presidência do G20, no mês que vem, um pacto global pela eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis”, disse.

Mapa da bacia da foz do rio Amazonas mostra localização do poço exploratório FZA-M-59, que ficaria a 170 km da costa do Amapá e 500 km da foz do Amazonas - Imagem: Aos Fatos

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