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A voz que resiste: o renascimento da língua Apiaká no coração da Amazônia

Escrito por Neo Mondo | 3 de junho de 2025

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A língua não é apenas o que dizemos, é quem somos - Imagem gerada por IA - Foto: Divulgação

POR - OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO

No coração da floresta amazônica, onde os rios entrelaçam histórias e o tempo se curva à sabedoria ancestral, uma língua quase silenciada começa a pulsar novamente.
É a língua Apiaká — semente viva da identidade de um povo que insiste em existir.

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Em um mundo que caminha acelerado para o esquecimento, a Eletrobras, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Associação Indígena Apiaká Sawara (AIAS), promoveu na aldeia Mayrowi, a 300 km de Alta Floresta (MT), a 2ª Oficina de Etnolinguística de Resgate da Língua Apiaká.
Mais do que uma ação institucional, trata-se de um gesto de reconexão com a terra, com a memória e com a dignidade.

A língua Apiaká, pertencente à família Tupi-Guarani, é mais do que um sistema de comunicação: é um território imaterial.
Ela guarda cosmovisões, cantares, histórias e mitos que atravessam gerações. Com poucos falantes plenos restantes, estava em risco real de desaparecer — vítima das forças silenciosas da colonização e da homogeneização cultural.

Durante dez dias intensos, cerca de 150 indígenas das aldeias Mayrowi, Pontal dos Isolados e Matrinxã reuniram-se para fazer brotar novamente as palavras adormecidas. Em cada fonema pronunciado, uma afirmação de pertencimento. Em cada vocábulo recuperado, um ato de resistência.

foto de indígenas da etnia apiaká
Crianças na aldeia Mayrowi durante Oficina de Etnolinguística de Resgate da Língua Apiaká - Foto: Divulgação

Sob a condução da professora Suseile Souza, doutora em Linguística pela UnB e indicada pela própria comunidade, os participantes mergulharam nos sons e estruturas da língua — aprenderam e reaprenderam vogais, fonemas, pronomes, construções frasais.
Palavras como piraputua (boto) e jakundaí’í (jacundá) ecoaram na sala como se invocassem a ancestralidade. E não por acaso: o jacundá é, segundo o mito da criação Apiaká, o peixe que se transformou no primeiro humano do povo — metáfora perfeita do renascimento linguístico que ali se realizava.

“Essa iniciativa que estamos abraçando é para os nossos netos e bisnetos. A língua é peça fundamental da nossa identidade. Não podemos perdê-la”, afirma o professor Marcelo Iranildo Munduruku, emocionado.

Inicialmente prevista como uma simples cartilha, a ação evoluiu — por escuta e por demanda da própria comunidade — para um programa mais robusto e profundo.
“O escopo foi ampliado, com mais tempo de execução e novos produtos voltados ao fortalecimento da língua”, explica Arthur Teixeira Loiola, gerente de Meio Ambiente da Usina Teles Pires.
A proposta integra o Programa de Valorização da Cultura Indígena (PVCI), parte do Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI) da usina hidrelétrica operada pela Eletrobras.

O projeto prevê ainda outras duas oficinas até 2026, totalizando quatro etapas de revitalização. Em cada uma delas, a memória se organiza em palavras, e as palavras se tornam ferramentas para reconstruir a autoestima coletiva, a educação e a legitimidade territorial.
“Ter uma língua ensinada na escola e registrada em cartilha é argumento a mais para a garantia do território”, reforça Suseile Souza.

Num país onde cerca de 190 línguas indígenas estão em risco de extinção, segundo a UNESCO, iniciativas como essa são mais do que urgentes: são vitais. São sementes de um futuro que respeita suas raízes.

A língua, afinal, não é apenas o que dizemos — é quem somos.
Preservá-la é manter vivo o invisível.
É fazer com que o tempo não apague aquilo que a floresta ainda sussurra.

No silêncio reverente da Amazônia, a voz dos Apiaká volta a florescer.
E com ela, floresce também a esperança de um mundo mais plural, mais justo, mais enraizado em sua própria humanidade.

indígenas apiaká
A língua Apiaká, pertencente à família Tupi-Guarani - Foto: Divulgação

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