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Escrito por Neo Mondo | 9 de setembro de 2024
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ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
As notícias do suposto assédio sexual do Ministro dos Direitos Humanos Sílvio Almeida pegaram todos os progressistas de surpresa: Sílvio era considerado uma espécie de reserva intelectual e ética do governo Lula, um homem negro, vindo de uma infância modesta e que alcançou o mais alto grau da admiração e reconhecimento, nacional e internacional, por seus livros, cursos e palestras memoráveis, igualando-se, em prestígio a grandes nomes da intelectualidade negra brasileira como um dos mais respeitados conhecedores da questão racial no Brasil e no mundo. E, mesmo assim, Silvio foi exonerado por não conseguir responder - até esse momento - de maneira satisfatória, a mais de uma dezena de acusações de assédio e importunação sexual, inclusive contra a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Outra professora o acusou de “pressionar suas partes íntimas”. Ao que se sabe, tais atitudes já vem ocorrendo há pelo menos um ano. Agora, a casa caiu. Ninguém mais lembrará de Sílvio como o presidente do Instituto Luiz Gama ou como professor convidado da Universidade de Columbia, mas como o cidadão que achacava as colegas de trabalho. Uma lástima. O sentimento de frustração e , ao mesmo tempo de perplexidade, é enorme, exatamente porque quase ninguém espera de alguém com esse porte realize atitudes tão vis como essas. O Mal de ignorar a integridade alheia é própria de mentes mesquinhas e incivilizadas e não de uma pessoa com tamanha consciência da importância do Outro. O Mal de infligir uma agressão à intimidade alheia é típica de quem usa o poder como arma de opressão e violação dos direitos e não de um homem que ostentava o título, ( que ironia!) De Ministro dos Direitos Humanos!
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O Mal, enfim, como tão bem lembrou a pensadora Hannah Arendt, está ao alcance de todos os que , por uma razão ou por outra, deixam de pensar. Essa questão - que incomodava a intelectual alemã desde sua primeira obra, As origens do Totalitarismo, e que deixou inconclusa no seu último livro, A vida do Espírito - está associada não a uma mentalidade monstruosa ou indiferente ao sofrimento dos outros, mas ao momento da irreflexão. Não pensar abre caminho para objetificar o que há na frente e usar esse “objeto” para atender aos interesses de qualquer ordem para quem não pensa. “Poderia o pensamento evitar o Mal?”, inquiriu Hannah Arendt em sua última obra. Sílvio Almeida é e não é uma resposta para essa pergunta.
O mais interessante desse episódio trágico é a alegria dos reacionários. A violência supostamente praticada pelo ministro, timoneiro das lutas por direitos humanos, mas revelado nos últimos dias como um humano não muito direito, funcionou como uma espécie de bálsamo para os políticos que criticam o que chamam de “ideologia esquerdista” e defendem uma violência identitária, racial, de gênero e do que mais vier, sem peias e sem culpas. O fracasso ético do ministro funciona como um endosso aos que consideram o respeito aos outros um assunto relativo e superestimado. Riem do fracasso do cidadão que enfrentou os mais perversos detratores dos negros, mulheres e pessoas trans; riem da fraqueza do homem que lutou pela força coletiva do Direito; escarnecem contra o cidadão que, por trás de sua postura pública ilibada, manifestou um desejo irrefreável de dizer coisas chulas e constrangedoras para mulheres e de tocar-lhes as partes íntimas sem consentimento. Não demora e Silvio vira uma espécie de “herói às avessas” da direita extrema, o macho que rompeu com o mimimi do respeito ao outro e impôs sua vontade da força para conseguir o prazer que desejava e merecia. O red pill que superou as amarras de uma ética para os fracos e assumiu seus privilégios masculinos como nunca deveria ter deixado de ser.
O estrago que o Ministro causou a uma longa e difícil causa por igualdade e respeito ainda é difícil de avaliar, mas é possível afirmar que será enorme. Tudo por um momento, ou por vários momentos de não pensar. O Mal, enfim, está ao alcance de todos. A luta contra o Mal começa dentro de cada um de nós, por meios da reflexão, da análise, pela contenção dos instintos que afetam o corpo e a mente dos outros, em um esforço civilizatório que Freud já anunciava em sua memorável obra “Mal estar na Civilização”. Ali, o psicanalista alertava que atender aos desejos sem controle é destrutivo, avassalador. E que o preço desse controle é a Cultura, a Civilização. Ou teremos uma coisa, e seremos apenas pessoas satisfeitas, ou nos entregaremos ao desejo cego e arbitrário e abriremos as portas para a violência e destruição. O ministro cedeu, uma, algumas vezes. E destruiu sua carreira, tão arduamente construída. E deixou de herança ruínas sobre as quais muitos outros buscarão refazer os caminhos frágeis mas esperançosos que já haviam sido erigidos. Todos sob os olhares atentos dos reacionários, à espera de um deslize, de uma tentação mal sublimada. Porque essa é a verdadeira polarização na qual estamos metidos, já tão bem anunciada na obra de Adauto Novaes: Civilização ou Barbárie.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
Instagram: @profdanielmedeiros
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