POR - MÁRCIO THAMOS ESPECIAL PARA NEO MONDO
A Fon-Fon, considerada uma das melhores e mais influentes publicações ilustradas do país, circulou, em edições semanais, de 1907 a 1945. Esse período recobre justamente as marcantes décadas do início do século vinte em que se processava uma grande mudança na mentalidade nacional, através de uma intensa agitação de idéias que as artes em geral, e especialmente a literatura, ajudaram a fomentar.
No bojo das reflexões que se faziam, estava em curso uma espécie de redescobrimento do Brasil, como se fôssemos novos Cabrais ou modernos bandeirantes, munidos agora de um olhar antropológico e ávidos por conhecer-nos a nós mesmos, numa adoção tupiniquim em escala coletiva do princípio socrático do autoconhecimento. “Quem somos os brasileiros”, “Que país é este?” eram perguntas que se faziam nos meios acadêmicos e nas rodas de artistas e pensadores. A identidade nacional era então objeto de investigação estética e de especulação científica; por toda parte um interesse renovado pela cultura brasileira crescia e tomava corpo. Da poesia combativa de Mário e de Oswald de Andrade à prosa regionalista de Jorge Amado e de Graciliano Ramos, o sentimento de brasilidade se armava num desejo nacionalista de (re)conhecer e de retratar o país, provocando inquirições patrióticas, sociais e filosóficas. Era o Brasil que despertava para os brasileiros ou, antes, os brasileiros que acordavam para o Brasil.Como fruto maduro desse processo de aprofundamento da consciência brasileira, tivemos a extrema felicidade de poder contar com o gênio inspirador de Guimarães Rosa em nossas letras. O autor nos
ofereceu, logo em 1946, a coletânea de contos Sagarana e, dez anos depois, em 1956, o romance Grande sertão: veredas, obras insuperáveis, que permanecem exalando um denso frescor de brasilidade.
Desde então, variadas e ricas experiências produziram-se na arte nacional, como o Cinema Novo, a Bossa Nova e o Movimento Tropicalista. Artistas criadores, como Nélson Pereira dos Santos e Gláuber Rocha, Tom Jobim e João Gilberto, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre tantos outros nomes admiráveis, ajudaram a quebrar barreiras entre a cultura popular e a erudita, ao mesmo tempo em que projetavam uma imagem mais viva e contrastante do Brasil para o mundo. Era a brasilidade tomando novos contornos e expandindo- se em genuínas possibilidades nutridas pela geleia geral. Com o advento da ditadura militar e o ato institucional número 5, a orientação artística na busca da brasilidade teve de amargar a concorrência bruta de uma censura que se esmerava em reduzir o sentimento nacionalista em termos de um ufanismo reacionário com fórmulas tacanhas do tipo “Brasil: ame-o ou deixe-o”.
A partir da retomada democrática, nos anos 80, e com o atual contexto de um mundo globalizado, o processo de reconhecimento de nossa própria identidade passou a trilhar novos rumos, renovando-se qualitativamente ao abarcar a visão dos mais diferentes grupos sociais na construção de uma representação dinâmica daquilo que somos como povo. Não há outro modo de projetarmos com clareza o futuro que desejamos a não ser revelando honestamente a nós mesmos
toda a nossa brasilidade.
* Doutor em Estudos Literários. Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao Departamento de Linguística da UNESP-FCL/CAr, credenciado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da mesma instituição. Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica.