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ARTIGO
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POR – LUISA GARCIA* e ANA PAULA ÁVILA*, PARA NEO MONDO
Com a publicação, em dezembro de 2021, da Resolução nº 59, com entrada em vigor prevista para janeiro de 2023, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) dá um passo importante no sentido efetivar a aderência aos critérios ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) nas empresas. É, também, um excelente passo no combate ao greenwashing, que é a divulgação falsa da prática de ESG por organizações.
O acrônimo ESG, ou ASG em português, ficou conhecido no ano de 2004, quando um evento do Banco Mundial incentivou a criação do Pacto Global como forma de incentivar as organizações a dispensarem maior cuidado em relação aos impactos ambientais e sociais das suas atividades e às medidas de governança aplicáveis à sua gestão, a fim de conferir maior transparência e uma distribuição mais equânime dos benefícios gerados pela atividade econômica entre as empresas e a comunidade. Cria-se com ele a conscientização de que a iniciativa privada deve gerar riquezas de um modo que seja sustentável a longo prazo, em vez do lucro imediato e desprovido da reflexão sobre as consequências e impactos das decisões das empresas para o futuro da humanidade.
Trata-se de uma cobrança muito atual da agenda econômico-social e as empresas que não estão se movimentando nesse sentido já estão atrasadas. Prova disso é o número de negócios certificados no Sistema B. Este sistema avalia os aspectos referentes ao meio ambiente, comunidade, governança, funcionários e clientes das organizações e mostrou crescimento de quase 260% entre os anos de 2017 e 2022, passando de 60 para 215 empresas certificadas. As certificações concedidas ganharam fôlego nos dois últimos anos: foram 29 em 2019, 39 no ano seguinte e 45 em 2021.
O cenário de exigência de investidores e de corrida das empresas por certificações fez com que a CVM se movimentasse para editar a Resolução nº 59, a qual recomenda que as informações sobre os critérios de ESG constem no Formulário de Referência das empresas de capital aberto já no próximo ano. A nova norma alterou a redação da Instrução nº 480, que já trazia os “critérios de risco socioambientais” para empresas. Agora, porém, esses critérios envolvem especificamente o triângulo de riscos ambientais-sociais-financeiros e a norma evoluiu ao substituir o termo “política ambiental” pelo menos ambíguo “política de conformidade ambiental e de governança corporativa”, sinalizando o uso de expressões já bem conhecidas nos círculos corporativos.
É importante ressaltar que a CVM apresenta a norma em caráter de recomendação – e não de obrigação –, optando, neste momento, por apenas recomendar, às empresas que divulgam a adesão a critérios ESG, que demonstrem ao órgão regulador a veracidade dessas informações, através da divulgação de métricas e metodologias, entre outros instrumentos.
Esse movimento demonstra que o órgão de fiscalização irá, cada vez mais, exigir dados concretos sobre a adesão aos critérios ESG na busca de garantir a segurança da informação dada aos investidores do mercado financeiro. Desta forma, abre-se a possibilidade de maior fiscalização da CVM nestes temas, além de incluir o mercado de capitais brasileiro em um cenário externo de grande preocupação com a sustentabilidade, ao exigir que a divulgação de informações de caráter ambiental, social e de governança divulgadas aos stakeholders encontrem correspondência na realidade operacional das empresas.
De certo modo, a CVM tem a chance de institucionalizar um processo já iniciado pelo próprio mercado, onde o consumidor tem grande peso e já aparece mais consciente do seu papel para o desenvolvimento sustentável. De fato, o processo de globalização e o acesso à comunicação disseminaram maior consciência sobre os direitos humanos e sobre o desenvolvimento de indicadores sociais e ambientais mínimos. Tal processo tem formado consumidores mais conscientes do papel transformador que podem desempenhar para a sustentabilidade do meio-ambiente e para promover condições mais dignas de trabalho humano. Isso aparece nas escolhas, cada vez mais frequentes, por produtos e marcas comprometidas com o meio ambiente e com a qualidade de vida dos colaboradores da empresa, como bem mostram as tendências de mercado tipo “fair-trade”, orgânicos, veganos e recicláveis.
E não estamos falando de um mercado qualquer. A BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, calcula que o mercado sustentável detenha hoje US$ 4 trilhões em investimentos e que, atualmente, os ativos financeiros globais superem os US$ 400 trilhões, o suficiente para causar uma revolução no mercado mundial. Os grandes fundos de investimento já entenderam que as questões com grande impacto ambiental ou social tendem a abalar a estabilidade do mercado como um todo, e uma baixa nas bolsas se projeta diretamente sobre as empresas que nelas negociam seus papéis. Daí o incentivo a estratégias ESG como uma manifestação de auto interesse dos grandes investidores, para evitar os eventos que possam impactar negativamente o ambiente de negócios.
Por isso, uma empresa com critérios bem definidos de ESG e que realmente os vivencie será atraente aos consumidores e aos investidores, sendo também certo que movimento contrário pode ocorrer, em que o desprezo pelo ESG reduz a participação da empresa no mercado consumidor, provoca a fuga investidores e a desvalorização dos papéis das empresas; exemplo recente foi o comentário do bilionário Elon Musk, durante sua visita ao Brasil em maio, quando se posicionou contra o ESG e viu as ações de suas empresas despencarem.
Contudo, em muitas empresas os standards ESG estão mais presentes no setor de Marketing do que nos operacionais, renovando a antiga expressão, cunhada no Brasil Colonial, “para inglês ver”. Praticam a chamada “lavagem verde” (a “greenwashing”): divulgam a adesão ao ESG, mas não dão qualquer substância à sigla, enganando consumidores e investidores. Com a Resolução nº 59, a CVM abre um caminho importante para combater essa questão e assegurar que as empresas brasileiras saiam, de verdade, do plano das intenções e possam se integrar nessa nova realidade mundial pelo respeito ao ambiente e ao ser humano.
*Luisa Garcia é sócia do escritório Silveiro Advogados – Pós-graduanda em Direitos Humanos, Cidadania Global e Responsabilidade Social pela PUC/RS.
*Ana Paula Ávila é Sócia Coordenadora da área de Compliance do Silveiro Advogados. Mestre e Doutora em Direito pela UFRGS; Formada em “Crisis Management” (2020) e em “Cybersecurity for Managers” (2021) pelo Massachusetts Institute of Technology – MIT, Estados Unidos.