Daniel Medeiros, autor do artigo: Professor: seu papel no mundo – Imagem: Divulgação
ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
No dia dos professores, rendemos homenagens a estas pessoas que ocupam boa parte do dia de nossos filhos e boa parte da vida, na infância e na adolescência, de nossos filhos, período que nós, pais, cada vez mais sabemos menos como nos relacionar com eles. Por isso colocamos sobre os ombros desses profissionais muito mais do que o trabalho de formação cognitiva e socializante, mas também a formativa e educacional. Ou seja, delegamos aos professores a imensa tarefa de cuidar de nossos filhos, de “dar um jeito” neles, enquanto nós continuamos a balbuciar para a vida e produzir garatujas sobre o que chamamos de vida.
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O grande problema é que os professores não foram feitos para isso. Nunca foi tarefa de professor educar um aluno como ele deve se sentar numa carteira, como deve tratar os colegas e , principalmente, como deve ser respeitoso com os mais velhos, como deve tratar os bens da escola e como deve cumprir seus deveres como determinado. O papel dos professores é mostrar o mundo às crianças e aos jovens e ensinar a eles o que deve ser cuidado e preservado no mundo e o que deve e precisa da ajuda deles para ser modificado e melhorado para que o mundo deles seja melhor do que foi o nosso.
Segundo a pesquisa Percepções e Desafios dos Anos Finais do Ensino Fundamental nas redes municipais de ensino , de 2023, feita em parceria entre o Itaú Social e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), a formação dos professores, saúde mental de alunos e docentes e falta de envolvimento das famílias são os principais desafios enfrentados nas escolas públicas nos anos finais do ensino fundamental, etapa que vai do 6º ao 9º anos. Esse quadro resulta em um fato alarmante: ninguém quer ser mais professor hoje em dia.
O Brasil pode ter um déficit de 235 mil professores na educação básica até 2040, de acordo com uma pesquisa do Instituto Semesp. A projeção é assustadora, pois o número de jovens que ingressam em cursos de licenciatura cresceu apenas 29,7% entre 2010 e 2020, enquanto nas demais carreiras o aumento foi de 49,8%.
Some-se a isso o fato de que o corpo docente está envelhecendo, com um número cada vez maior de professores prestes a se aposentar. De 2009 a 2021, o número de professores jovens ,com até 24 anos, caiu 42,4%, enquanto o de professores com 50 anos ou mais aumentou 109%.
A escola tornou-se um lugar paradoxal: por um lado, é o oásis dos pais, pois permite conseguir tempo para o trabalho e para a realização da busca da sobrevivência e da ideia de sucesso que alimenta o imaginário da população adulta brasileira, em uma corrida de obstáculos sem distância determinada ou fim definido; por outro lado, é o inferno de alunos e professores, mal formados, mal remunerados e sobrecarregados com tarefas excruciantes , como ter de trabalhar no limite da saúde mental, com crianças e jovens no limite da saúde mental, sem saber exatamente o fazer com eles e sem saber exatamente o que eles querem fazer deles próprios. Trata-se de um confronto diário, no qual salvam-se momentos de amor e carinho esparsos, de diversão e alegria raros, de envolvimento e participação cada vez mais incomuns. No geral , há sono, dispersão, indiferença e falta de objetivos claros sobre o que fazer ao longo dos infinitos dias de cada anos escolar, isso quando o ambiente não explode em momentos de som e fúria.
Aí vem o dia dos professores e recebemos uma cartinha, uma lembrança, um encontro festivo e nos entreolhamos com cara de comiseração mútua, sabendo que a pausa não é paz, que o encantamento da festa encobre o tormento da produção de jornadas com ausência de significado tanto para quem busca ensinar como para as crianças e jovens, tontos de apreensões e desafios para os quais não estão sendo devidamente preparados.
No entanto, apesar do quadro calamitoso, nunca se pensou tanto sobre o que fazer com a Educação. As saídas , pelo menos as emergenciais, são claras: formação inicial mais adequada para o que o professor vai encontrar na sala de aula; cursos continuados mais frequentes e adequados aos desafios cotidianos e ao fundamento maior da docência, que é produzir um ensino consequente , consistente e crítico sobre a realidade mutante que se afigura para o segundo quarto do século; formação dos pais, para que assumam a responsabilidade na educação de seus filhos, de maneira que seja possível obter mais resultados no ensino que a escola pode proporcionar; e, particularmente, aprender a ouvir mais as crianças e jovens, envolvendo-os nas responsabilidades da sua própria formação, como pares e não como supostos depósitos de supostos aprendizados.
As experiências bem sucedidas , que são muitas, tanto na nossa rede escolar, como pelo mundo afora, devem ser conhecidas e estudadas para serem adaptadas e replicadas dentro da realidade de cada lugar.
O importante, diante do cenário que nos resta, é nunca esquecer qual a razão de existir da escola e a função principal dos professores, como bem lembrou a filósofa Hannah Arendt: “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele”; (…) a educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos”.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
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