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ARTIGO
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Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
É desafiador enfrentar a onda conservadora que se espalha como a água das geleiras derretidas pelo aquecimento global. É mais desafiador ainda ouvir as vozes que agradecem pelo fim da “ditadura das minorias” , quando ser negro ou ser trans implicava ter “todos os direitos” enquanto as pessoas brancas, devotas e hetero, que simplesmente repetem um estilo de vida “natural”, estavam sendo perseguidas e constrangidas diante das falas, dos gestos, das roupas, das músicas, das críticas dessas minorias. Mas agora, felizmente, voltam para o seu lugar. A “normalidade” retornou.
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É desafiador imaginar que questões como direitos humanos, saúde pública, preservação ambiental, diversidade de costumes e de crenças constam agora da lista de pensamentos e práticas a serem combatidas pelos governos conservadores, por meio de seus decretos executivos. Rastreamentos em instituições que mantêm alguma parceria com os governos conservadores têm provocado o rompimento de acordos e financiamentos fundamentais para a manutenção de programas sociais, ambientais e sanitários. Por quê? Porque é preciso combater a “política woke”, com suas críticas ao estilo de vida autêntico e natural, onde o mérito deve estar em primeiro lugar – mesmo que seja o mérito dos herdeiros ou dos acertos de bastidores – e a liberdade de se dizer o que se pensa sem se importar com que é atingido é o mais sagrado dos direitos.
Esses tempos exigirão realmente muita resiliência. Mais: exigirão o verdadeiro espírito de cisne negro, no qual, para cada agressão, devemos responder com aprendizado e mudança de postura. Abraçar a posição de vítima não vai funcionar, porque há um componente perverso na onda conservadora, que é o prazer de ver o adversário nocauteado. Não basta fechar as portas das oportunidades, cancelar as políticas de incentivo, erradicar os programas de apoio. As políticas conservadoras também desejam ver os negros, os gays, os pobres, as mulheres, os que clamam por igualdade e respeito como peixes na rede: arquejando e debatendo-se , sem chance de auxílio ou salvação.
A política conservadora é um desafio para a nossa humanidade porque ela não quer edificar nada, mas demolir os esforços de décadas onde os grupos subalternos buscaram ser vistos e ouvidos. E exatamente no momento em que isso começava a virar realidade, a reação bem urdida e aplicada dos conservadores pôs tudo, ou quase tudo, a perder. Agora é enfrentar o desafio da derrota e juntar os cacos e repensar formas de existência e de resistência.
Há lições a serem aprendidas nessa derrota? Sem dúvida, aí está mais um desafio. Houve excessos na alegria de se ver reconhecido e representado? Houve impulsos incontornáveis de revanche e de condenação generalizada ? Houve esforços demasiados em impor linguagens e gestos, de cobrar posturas e reivindicar manifestações de compungidos arrependimentos? Como o exército de Napoleão que avançou sobre a Rússia sem pensar em manter robustas as rotas de abastecimento, o despertar da luta por igualdade e por diferença esqueceu que os conservadores mais empedernidos têm uma experiência de poder muito mais antiga. E como diz o ditado, foram dando corda , ao mesmo tempo em que se apropriaram dos mesmos ingredientes dos que buscavam espaços, assumindo para si o papel de vítimas. Recentemente ouvi um homem branco dizer para mim: “só há uma classe com deveres nesse país. Os brancos, homem e empresários. Todas as outras categorias só têm direitos.” O ardor e a certeza da fala desse homem branco era tão intensa quando a de um discurso em favor de Rosa Parks. Foi nesse momento que eu entendi o quão desafiador será nosso futuro imediato.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
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