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POR – CAROLINA DA COSTA* e MARCELO ORTICELLI*, ESPECIAL PARA NEO MONDO
É sempre importante recordarmos que a agenda para um mundo mais equilibrado e justo para a maior parte das pessoas, passa por valores compartilhados coletivamente nessa direção. O filme Conclave, dirigido por Edward Berger que ganhou o Oscar pela adaptação do roteiro de Peter Straughan, disseca os desafios da construção dessa agenda ao transcender o universo religioso para abordar questões universais de liderança, ética e o papel da dúvida em nossa busca pelo bem comum. Na história, ambientada no Vaticano, o Colégio de Cardeais se reúne em segredo para eleger o próximo Papa. O título, mantido em português como no original em inglês, vem do latim “cum clavis”, que significa “fechado à chave” — uma metáfora não apenas para o local, mas também para os dilemas internos de seus participantes que os mantêm fechados em seus próprios mundos.
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Ao longo do processo decisório, as tensões aumentam à medida que diferentes grupos surgem, cada um defendendo suas bandeiras com a convicção de que sua causa é a mais justa. No centro da narrativa está o cardeal Thomas Lawrence, interpretado por Ralph Fiennes. Diligente na busca pela “verdade” dos fatos, Lawrence representa o ideal aristotélico do “spoudaios”: o indivíduo virtuoso que busca viver conforme a razão, equilibrando o “justo meio” e colocando o bem da comunidade acima de seus próprios interesses.
Logo no início do filme, em seu discurso de abertura do Conclave, Lawrence convida todos ao escrutínio de suas consciências, enfatizando o papel essencial da dúvida ao destaca-la como o motor que, por sustentar o mistério, impulsiona o saber — um conceito que até justificaria a “fé”. Essa fala inicial estabelece o tom da narrativa, deixando claro que Conclave não é um filme sobre religião, mas sobre a natureza humana diante do poder e da tomada de decisões onde os interesses individuais e coletivos se confrontam e precisam ser harmonizados para um bem maior.
A liderança retratada no filme foge do arquétipo clássico do herói que se destaca por talentos individuais que se sobressaem ao grupo. Em vez disso, ela emerge em meio ao caos e à disputa de interesses, moldada pela coragem de expressar valores e oferecer uma visão de futuro pautada na esperança e na ausência de julgamento. Essa ideia se reflete simbolicamente na escolha do nome adotado pelo novo Papa: “Innocentius”, remetendo à inocência como um ideal de pureza moral e isenção de preconceitos. No contexto do filme, a liderança não está vinculada a habilidades técnicas ou repertório sofisticado, mas sim à integridade, à capacidade de ouvir, confiar e permanecer fiel aos próprios princípios, mesmo sob intensa pressão.
A ética permeia as escolhas do cardeal Lawrence em diversos momentos da trama. Em vez de buscar soluções rápidas ou tomar partido para favorecer determinados grupos, ele demonstra coragem ao confrontar as situações de forma direta e transparente. Em uma sociedade acostumada a formar julgamentos apressados e acusar sem dar espaço à defesa, a postura de Lawrence oferece uma lição valiosa: o compromisso com a ética exige tolerância, ampla escuta, questionamento e a disposição de permitir que novas possibilidades emerjam. Sua abordagem ressalta a importância de perguntar o que não se sabe, dando ao outro a oportunidade de se explicar antes de julgar.
O filme termina com uma revelação surpreendente que nos convida a refletir sobre a beleza da integração, de não nos deixarmos cindir por filiações ou regras rígidas que com o tempo deixam de servir aquele mesmo próposito pelo qual se estabeleceram. Manter-se fiel a principios e valores também exige abraçar o novo, a mudança. Conclave é um convite para refletir sobre o papel da dúvida em nossas vidas — não como sinal de fraqueza, mas como caminho para o autoconhecimento e para a construção de relações mais justas e humanas. Em um mundo cada vez mais polarizado em emaranhados de conclaves que fecham suas portas diante do contraditório, permitir-se questionar as próprias certezas pode ser o primeiro passo para alcançarmos lugares melhores para mais pessoas. Todo o resto é consequência.
Em alinhamento com a mensagem o filme, escrito por uma mulher e um homem.
*Carolina da Costa, PhD, é Chief Impact Officer da Stone. Conselheira de instituições de ensino e pesquisa, líder do comitê ESG do grupo Boticário e professora de pensamento crítico e sistêmico no Insper.
*Marcelo Orticelli é VP do Insper.