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POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
O paradoxo da abundância e da escassez em um planeta sedento
A água não é apenas um recurso natural. É o sangue do planeta, a substância primordial da vida, o elo invisível que une todas as formas de existência. Desde os primórdios da humanidade, rios foram berços de civilizações, oceanos moldaram rotas e histórias, e cada gota carrega em si o peso da sobrevivência. No entanto, ironicamente, aquilo que parece infinito se torna cada vez mais escasso. Um planeta coberto por água se vê à beira de uma crise hídrica sem precedentes.
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A água e a vida: um elemento sagrado e insubstituível
Desde tempos imemoriais, povos ancestrais reverenciavam a água como uma dádiva divina. Não apenas um meio de sobrevivência, mas um símbolo de pureza, renascimento e equilíbrio. Hoje, essa conexão sagrada foi substituída por estatísticas frias e consumo desenfreado.
Cerca de 70% da superfície terrestre é coberta por água, um oceano de possibilidades que, paradoxalmente, não pode ser bebido. Apenas 2,5% desse imenso volume é doce, e uma fração ainda menor está disponível para saciar a sede da humanidade. Enquanto a ilusão de abundância persiste, a realidade da escassez se agrava, transformando a água em um bem cada vez mais precioso e disputado. Desses, menos de 1% está acessível para consumo humano. E, enquanto bilhões de pessoas sofrem com a escassez hídrica, seguimos desperdiçando e contaminando as reservas que ainda nos restam.
Os gargalos hídricos no mundo: uma crise silenciosa
A crise global da água não é apenas um reflexo da falta de chuvas. É um problema estrutural, impulsionado por escolhas equivocadas, má gestão e mudanças climáticas que agravam a situação.
- Desertificação e eventos extremos: Regiões como o Oriente Médio, o norte da África e partes da Ásia já enfrentam um colapso hídrico iminente, com rios desaparecendo e aquíferos se esgotando.
- Conflitos pela água: Em várias partes do mundo, a disputa por esse recurso já provoca tensões geopolíticas, como entre Egito, Sudão e Etiópia pelo Rio Nilo, ou entre Índia e Paquistão pelas águas do Rio Indo.
- O paradoxo da abundância e da contaminação: Países com vastas reservas hídricas, como Brasil e Canadá, sofrem com a poluição de suas águas, tornando-se reféns da própria negligência.
O Brasil e a água: um gigante ameaçado
O Brasil, dono de 12% da água doce do mundo, deveria ser referência em gestão hídrica. No entanto, enfrenta uma dura realidade: desperdício, desigualdade na distribuição e rios cada vez mais poluídos.
- O paradoxo do Nordeste: Mesmo com grandes aquíferos subterrâneos, a região ainda depende do regime de chuvas para a sobrevivência de milhões de pessoas. A transposição do São Francisco trouxe alívio, mas não resolveu as questões estruturais da gestão hídrica.
- Amazônia: a ilusão da abundância: A maior bacia hidrográfica do mundo sofre com a contaminação por mercúrio, resultado do garimpo ilegal, além da degradação de nascentes e desmatamento, que alteram o ciclo hidrológico da floresta.
- Crise nas metrópoles: Cidades como São Paulo enfrentam crises hídricas recorrentes, resultado do desmatamento nas áreas de mananciais e da falta de infraestrutura para reduzir perdas no sistema de abastecimento. Atualmente, cerca de 37% da água tratada no país é perdida antes de chegar às torneiras, um índice alarmante.
O futuro da água: entre a esperança e a urgência
Se a água é a essência da vida, protegê-la é um ato de sobrevivência coletiva. Cada ação conta, e o momento de agir é agora: preservar nascentes, reduzir desperdícios e exigir políticas públicas responsáveis. O destino da água é o nosso próprio destino. Não há mais espaço para negligência ou adiamento de soluções. O futuro das sociedades depende de novos modelos de gestão hídrica, incentivos à economia circular da água, avanços na dessalinização e investimentos em infraestrutura sustentável.
Mas também depende de um novo olhar. A água não é um produto, uma mercadoria, uma estatística. É tempo de resgatar a reverência que povos antigos tinham por esse elemento. É tempo de tratá-la como aquilo que realmente é: um pacto sagrado entre a Terra e a humanidade.
Neste Dia Mundial da Água, que possamos enxergar além do reflexo dos rios, lagos e oceanos. Que possamos ver, neles, o próprio reflexo do nosso futuro. E que, ao invés de deixar esse recurso escoar entre os dedos, possamos segurá-lo com o respeito e a responsabilidade que ele merece.