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POR – CAROLINA DA COSTA
Pouco se fala sobre isso, mas o Brasil está prestes a passar por uma das transformações mais profundas de sua história recente. Em uma década, nossa pirâmide demográfica deixará de ter base jovem e se tornará invertida, com uma população majoritariamente acima dos 50 anos. Essa inflexão silenciosa e contínua terá implicações diretas sobre o funcionamento da economia, do trabalho e do sistema de saúde.
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Segundo projeções do IBGE, cerca de 40% dos brasileiros terão mais de 50 anos até 2035. É um dado impressionante, considerando que hoje esse grupo representa aproximadamente um quarto do total. A população com mais de 60 e 70 anos deve crescer de forma acelerada, em um cenário para o qual ainda não estamos preparados. Isso nos obriga a fazer perguntas sérias: quem vai trabalhar? Como vamos sustentar a previdência? E, sobretudo, como vamos cuidar dessas pessoas — e de nós mesmos — no futuro próximo?
Entre os muitos impactos dessa transição, dois se destacam como urgências nacionais: o redesenho do mercado de trabalho e a sustentabilidade do sistema de saúde.
O trabalho envelhece — e isso é bom, se soubermos aproveitar
A expectativa de vida do brasileiro está em 76,3 anos e tende a crescer (IBGE, 2022). Não faz mais sentido pensar na aposentadoria aos 60 como algo automático ou desejável para todos. Muitas pessoas querem — e/ou precisarão — continuar ativas por mais tempo. O problema é que o mercado de trabalho ainda opera com um viés jovem, incapaz de acolher diferentes ritmos, perfis e níveis de escolaridade.
Hoje, apenas 22% das pessoas com mais de 65 anos continuam trabalhando (IBGE, PNAD Contínua, 2022). Quando esse número crescer, enfrentará barreiras estruturais: a disputa por vagas com os mais jovens, gerando tensões geracionais; a dificuldade de requalificação; e o preconceito etário, que pode empurrar muitos para a informalidade — principalmente aqueles com menos escolaridade.
Esse impasse pode ser encarado como crise ou como oportunidade. Há sinais de reinvenção produtiva entre os mais velhos: empreendedores que começam negócios após os 50 anos, consultores experientes que atuam por projeto, profissionais que encontram nas plataformas digitais uma ponte para o trabalho flexível e sob demanda. Mas nada disso será suficiente se o país não investir em capacitações acessíveis e em políticas públicas que reconheçam o valor da experiência. A inclusão produtiva da população mais velha precisa ser tratada como prioridade econômica, e não como pauta periférica.
A saúde não dará conta sem mudar o foco
O segundo choque é na área da saúde — e ele já começou. O envelhecimento aumenta exponencialmente a demanda por recursos médicos, hospitalares e farmacêuticos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, pessoas mais velhas consomem de três a quatro vezes mais recursos do que adultos jovens. Nos planos de saúde privados, os idosos representam apenas 14% dos usuários, mas respondem por quase 40% dos custos (IESS, 2023). A curva de despesa é insustentável.
O modelo vigente, baseado no tratamento reativo de doenças crônicas, está esgotado. O Brasil precisa virar a chave para a prevenção, para o cuidado domiciliar estruturado e para o uso inteligente de dados e tecnologia. Estamos atrasados nessa agenda, mas ainda há tempo para agir.
A chamada “economia da longevidade”, já valorizada em países como Japão e Estados Unidos, movimenta trilhões de dólares globalmente (AARP, 2023). Por aqui, ainda engatinhamos. Falta articulação entre setor público, privado e sociedade civil para transformar o envelhecimento em vetor de inovação — não apenas em saúde, mas também em moradia, alimentação, mobilidade e lazer.
O tempo da reação já passou. É hora de antecipar.
Esses dois eixos — trabalho/renda e saúde — não são desafios futuros. São realidades que já batem à porta e que, se ignoradas, cobrarão um preço alto em desigualdade, ineficiência e exclusão.
Mais do que uma agenda social, estamos falando de uma agenda de desenvolvimento, inovação e impacto. O país que conseguir combinar envelhecimento com produtividade, inclusão com prevenção, será mais justo — e, sobretudo, mais inteligente. A hora de agir é agora.
Chief Impact Officer da Stone Co, liderando as frentes de inclusão produtiva na base da pirâmide (microcrédito, blended finance com veículo filantrópico e educação financeira) e integração ESG financeira e institucional. Foi originadora e captadora de fundos para Maua Capital no tema sustentabilidade no agro. Presidente do Comitê ESG do Grupo Boticário. Prêmio profissional do ano em Inovação em Sustentabilidade pela ANEFAC (2021). Conselheira LATAM Solidaridad Network. Conselheira de Desenvolvimento da PUC Rio. Foi diretora de inovação, saúde digital, pesquisa e ensino do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, onde permanece como conselheira estratégica. Ex-VP de Graduação do Insper, atualmente Conselheira do Hub de Inovação e do Comitê de Ensino e Pesquisa e também professora de educação executiva nos temas pensamento crítico e sistêmico.
Administradora pública, M.S. pela EAESP-FGV e University of Texas at Austin, e PhD em Educação e Cognição pela Rutgers University.