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COP30 e a Construção de Consensos Climáticos: o papel estratégico das relações institucionais e governamentais (RIG)

Escrito por Suelma Rosa | 14 de abril de 2025

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Nós brasileiros temos a responsabilidade de conduzir um processo que alinhe ciência, equidade e ambição, transformando compromissos em resultados concretos para pessoas e territórios - Imagem gerada por IA - Foto: Divulgação

POR – SUELMA ROSA

A realização da COP30 em Belém do Pará não é apenas um marco diplomático. É um ponto de inflexão simbólico e institucional para o Brasil, comparável aos momentos que moldaram a governança climática global, como a Rio-92 e a Rio+20.

Leia também: A urgência de escalar soluções para transformações sistêmicas

A Cúpula da Terra de 1992, a Rio-92, foi o berço do regime multilateral ambiental que seguimos construindo até hoje. Ela deu origem à Convenção do Clima (UNFCC), à Convenção sobre Diversidade Biológica e à Convenção de Combate à Desertificação. Ali, o Brasil exerceu um papel de liderança visionária, capaz de construir pontes entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em torno de princípios como responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Já a Rio+20 consolidou o Brasil como articulador de soluções sustentáveis de longo prazo, ao liderar os debates que deram origem à Agenda 2030 e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Também foi nesse processo que se consolidaram as bases para as negociações do Tratado Global de Plásticos e outras agendas integradas, que hoje se desdobram em negociações críticas no âmbito do sistema multilateral. Esses marcos demonstram a capacidade do Brasil de transformar seus valores democráticos, diversidade cultural e conhecimento técnico em plataformas diplomáticas com impacto global.

Agora, em 2025, a COP30 nos convoca novamente. Desta vez, em Belém do Pará, na Amazônia, no epicentro da crise climática global. Mais do que sediar, temos a responsabilidade de conduzir um processo que alinhe ciência, equidade e ambição, transformando compromissos em resultados concretos para pessoas e territórios.

RIG: uma função estratégica para as relações público-privada

Nesse contexto, os profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) ganham um papel central. Muito além da interlocução entre setor privado e governo, os profissionais de RIGs são especialistas na construção de ambientes políticos e institucionais capazes de estabelecer diálogos construtivos para elaboração de políticas públicas, fortalecer instituições democráticas e impulsionar a implementação de compromissos multilaterais.

Esses profissionais, independentemente do tipo de organização em que atuam, são articuladores de convergências entre diferentes agendas: econômica, social, ambiental, tecnológica e de desenvolvimento. A partir de escuta ativa, leitura de contexto e capacidade de mediação, esses profissionais transformam disputas em pactos, divergências em soluções, interesses em compromissos legítimos.

Na prática, possuem a capacidade de estabelecer conexão entre os acordos internacionais — como o Acordo de Paris — e os marcos domésticos de legislações, regulamentos, programas e incentivos. Também atuam em matérias como diplomacia climática corporativa, no engajamento com fóruns multilaterais e na articulação com governos subnacionais para alinhar prioridades territoriais às metas nacionais.

Governança climática é, antes de tudo, governança política

A crise climática não é apenas um desafio ambiental — ela é também uma crise de governança, de modelo de desenvolvimento e de coesão social. A complexidade das negociações que ocorrem no âmbito da Convenção do Clima exige mais do que diplomatas e cientistas: exige a presença de profissionais capazes de mediar interesses, traduzir ambições em políticas públicas e construir coalizões de transformação.

Os profissionais de RIG podem atuar nesse ponto de interseção: conectando o setor privado, o setor público e a sociedade civil, com escuta ativa, leitura institucional precisa e foco em soluções viáveis. São eles que, muitas vezes nos bastidores, ajudam a costurar os acordos que destravam compromissos, recursos e implementação.

A rodada da conferência do clima que será sediada no Brasil tem desafios únicos: infraestrutura limitada, uma geopolítica fragmentada, atrasos na submissão das NDCs dos países signatários, e uma sociedade civil vibrante e exigente, como deve ser uma Democracia.

Em meio a esse cenário, os profissionais de RIG podem:

  • Atuar como tradutores entre o global e o local, conectando as decisões multilaterais ao desenho e à execução de políticas públicas federais, estaduais e municipais.
  • Facilitar consensos intersetoriais, construindo pontes entre empresas, governos e comunidades em temas como precificação de carbono, transição energética, finanças sustentáveis e bioeconomia.
  • Gerar ambientes de confiança, onde diferentes atores se sintam seguros para assumir compromissos mais ambiciosos e implementar soluções com legitimidade social e política.

O Brasil terá a chance de contribuir ao mundo como um modelo de governança que seja, ao mesmo tempo, eficaz, inclusivo e conectado com os territórios. Isso exige uma nova forma de fazer política: menos polarizada, mais propositiva, voltada à construção de consensos dinâmicos.

A habilidade de construir “acordos possíveis” em contextos complexos é uma verdadeira tecnologia política — que pode ser aplicada tanto à formulação de políticas climáticas quanto à ativação de coalizões para sua implementação.

A emergência climática exige respostas que articulem ambição com viabilidade, ciência com sensibilidade social, e compromisso com governabilidade para construção de caminhos possíveis.

foto de desenho mostrando o planeta pegando fogo, remete ao artigo COP30 e a Construção de Consensos Climáticos: o papel estratégico das relações institucionais e governamentais (RIG)
Os profissionais de Relações Institucionais e Governamentais são especialistas na construção de ambientes políticos e institucionais capazes de estabelecer diálogos construtivos para elaboração de políticas públicas - Foto: Divulgação/Freepik

A Carta da Presidência da COP30: oportunidades concretas de atuação para RIGs

A Carta da Presidência da COP30, assinada pelo embaixador André Corrêa do Lago, é um documento de altíssimo valor político e simbólico. Nela, o Brasil convida o mundo a um "mutirão" climático, inspirado em sabedorias ancestrais e na cultura do esforço coletivo. O texto apresenta diretrizes claras para onde o regime climático precisa avançar — e, com ele, a atuação dos profissionais de relações institucionais e governamentais.

Cinco frentes estratégicas se destacam como pontos onde podemos atuar decisivamente para contribuir com o sucesso da COP30:

1. Transformar NDCs em agendas de desenvolvimento nacional

  • Conectar compromissos internacionais a políticas públicas e planos plurianuais.
  • Articular coalizões multissetoriais para destravar prioridades em energia, transporte, agricultura, saneamento e cidades.

2. Viabilizar fluxos financeiros e regulação inteligente

  • Promover marcos regulatórios que atraiam investimento climático e ampliem acesso a financiamento internacional.
  • Dialogar com instituições financeiras multilaterais e fundos de desenvolvimento para criar instrumentos financeiros inovadores (como green bonds, fundos garantidores, incentivos fiscais climáticos).

3. Impulsionar políticas de adaptação e justiça climática

  • Apoiar municípios e estados na integração da adaptação em seus planos diretores, orçamentos e regulações locais, com foco em proteção das populações mais vulneráveis
  • Mediar processos participativos para que soluções de adaptação tenham legitimidade e territorialidade, promovendo inclusão de grupos historicamente vulnerabilizados nas decisões e recursos.

4. Acelerar a implementação de tecnologia e capacitação

  • Conectar empresas, centros de pesquisa e governos para escalar soluções de alto impacto já disponíveis.
  • Atuar junto a organismos multilaterais para destravar cooperação técnica e transferência de tecnologia.

5. Reforçar o multilateralismo e a diplomacia climática brasileira

  • Fortalecer a interlocução entre governo federal, sociedade civil e setor privado.
  • Mapear posições comuns com países do Sul Global e construir pontes com o Norte Global para mobilizar tomadores de decisão sobre os desdobramentos da Missão 1.5, Artigo 6, Tratado de Plásticos, entre outros.

Nós, profissionais de relações institucionais e governamentais temos a responsabilidade de ajudar o Brasil a fazer da COP30 um marco da ação climática concreta e inclusiva. De maneira a colocar a política pública em movimento para garantir uma transição que assegure o alcance da ambição global. Mais do que uma conferência, a COP30 é um convite à liderança. E o Brasil, com sua história, sua diversidade e sua capacidade de construir pontes, pode — mais uma vez — surpreender o mundo.

foto de suelma rosa, autora do artigo COP30 e a Construção de Consensos Climáticos: o papel estratégico das relações institucionais e governamentais (RIG)
Suelma Rosa - Foto: Divulgação

Suelma Rosa possui mais de duas décadas de experiência inigualável em engajamento multissetorial, gestão de riscos, reputação, sustentabilidade, impacto social, comunicação e relações institucionais e governamentais. Anteriormente na Unilever e na Dow Chemical, ela agora é Vice-Presidente de Assuntos Corporativos para a América Latina na PepsiCo. Neste papel, Suelma continua a promover impacto social, equidade, diversidade e inclusão, sustentabilidade e proteção dos direitos humanos ao longo da cadeia de valor, visando criar um impacto positivo nas comunidades e no planeta. Antes de seus papéis no setor privado, Suelma teve uma carreira distinta no setor público, incluindo funções cruciais no Ministério das Relações Exteriores e na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, além de posições significativas na Organização das Nações Unidas. No governo federal, ela foi instrumental na formação da abordagem integrada do Brasil ao comércio internacional, mudanças climáticas e políticas ambientais. Suas contribuições na ONU incluíram a coordenação de programas regionais na América Latina e no Caribe, alinhando os resultados dos projetos com os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Suelma também fez avanços significativos na conservação ambiental e proteção da biodiversidade como Representante Nacional e Diretora de Relações Externas na TNC – The Nature Conservancy. Autora publicada e figura influente, Suelma foi reconhecida como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Linea por anos consecutivos, entre outros prêmios. Sua liderança se estende além do âmbito corporativo, em papéis de governança impactantes em conselhos de organizações globais e regionais importantes e iniciativas. Ela é reconhecida como especialista em forjar conexões entre pessoas, agendas e organizações com competência e empatia, conhecida por suas reflexões profundas sobre como as empresas podem transformar positivamente a sociedade. Com um doutorado em Ciência Política pela Universidade de Panthéon-Sorbonne em Paris e um mestrado em Política Internacional e Comparada pela Universidade de Brasília, o background multicultural de Suelma e sua proficiência em vários idiomas permitiram que ela vivesse, trabalhasse e estudasse em quatro continentes, continuando a forjar conexões e influenciar estratégias corporativas globais.

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