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Pandemia e Guerra reforçam a inflação verde?

Escrito por Neo Mondo | 31 de julho de 2022

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Área de colheita mecanizada de cana-de-açúcar - Foto: Neide Makiko Furukawa

ARTIGO

Por - Pedro Abel Vieira*, Antônio Márcio Buainain*, Elisio Contini* e Roberta Grundling*, para Neo Mondo

Se a pandemia do Covid-19 impôs um desafio sanitário global, a Guerra da Ucrânia está alterando as forças geopolíticas e efeitos já são sentidos na vida cotidiana da população mundial.  Problemas na cadeia de suprimentos e transporte, bem como volatilidade adicional e aumento dos preços de energia, alimentos e commodities, estão acelerando o aumento dos preços globais.

Dois anos atrás, com milhões de pessoas desempregadas e políticas nacionais para evitar a recessão e o esgarçamento social, a inflação parecia um problema distante. Um ano depois, com o desemprego caindo e os índices subindo, muitos dos formuladores de políticas, notadamente nos EUA, ainda insistiam que os aumentos de preços eram transitórios. As previsões mais atuais sugerem que a inflação global deverá acelerar chegando próximo a 8% em 2022, crescimento considerável em comparação com a média global de 3,8% no período 2001-2019.

Nos EUA, com o índice de inflação mais alta desde o início dos anos 1980, os funcionários do governo Biden reconhecem que perderam o timing para controlar o aumento geral nos preços de bens e serviços - a maioria dos cidadãos americanos continua classificando a inflação como o principal problema do país. Mas os EUA não são o único lugar onde as pessoas estão sofrendo desse mal. Uma análise do Pew Research Center indicou que em 37 das 44 economias mais desenvolvidas, o índice de inflação média anual no primeiro trimestre deste ano foi pelo menos o dobro do verificado no primeiro trimestre de 2020, inclusive no Brasil.

Assim como aqueles que há um ano consideravam a inflação como um problema transitório, a maioria dos analistas trata o elevado nível de preços atual como um problema a ser combatido com receitas de curto prazo, notadamente a elevação da taxa de juros. Um pequeno grupo considera a possibilidade dessa situação ser estrutural, com tendência de agravamento na medida em que a economia global se torne mais verde. Para esse grupo de analistas, incluindo o Banco Central Europeu, a ‘transição verde’ cria pressão inflacionária. Por exemplo, a transição energética dos combustíveis fósseis para fontes renováveis incrementará a demanda por insumos minerais como níquel, lítio e cobre, que são utilizados na produção de tecnologias verdes, acima da capacidade de produção. Veículos elétricos, por exemplo, usam seis vezes mais minerais do que seus equivalentes convencionais e uma usina eólica requer mais de sete vezes a quantidade de cobre em comparação com uma usina a gás. O Banco Mundial estimou que dada a tecnologia atual, a produção global de minerais como grafite e cobalto irá aumentar em 500% até 2050 somente para atender a demanda oriunda das tecnologias de energia limpa.

O superciclo de commodities minerais e a dificuldade em expandir a produção - uma mina de minerais demora em média cinco anos para implantação - é uma fonte nada desprezível de pressão inflacionária, principalmente se levar em conta que o cumprimento do Acordo de Paris resultaria em quadruplicar a demanda de minerais para tecnologias de energia limpa até 2040. Além disso, haveria grandes mudanças na geopolítica mundial se considerar que países africanos como Zâmbia (cobre), Guiné (bauxita), Namíbia (urânio), Uganda (cobre e cobalto) e Sudão (ouro, prata, zinco e ferro) seriam os grandes fornecedores minerais globais e a China o líder global no processamento e distribuição nessa cadeia de valor. Há, portanto, que se redesenhar o balanço global de poder. Além dessas questões, resta solucionar o descarte desses minerais e seus resíduos, um desafio com potencial de gerar ainda mais inflação.

A passagem de uma economia movida por energia fóssil para uma economia de carbono neutro será ainda mais incentivada pela Guerra da Ucrânia, especialmente devido à dependência europeia dos hidrocarbonetos russos. Esse cenário pode viabilizar ao Brasil maior inserção no cenário mundial em um ambiente de ‘inflação verde’ como se supõe, notadamente ao se considerar que mais de 80% da energia elétrica produzida pelo Brasil é renovável e que o país dispõe de tecnologia e capacidade para expansão da produção de energia renovável oriundo da matéria orgânica. O Brasil dispõe de vasta gama de processos produtivos que podem ser classificados como bioenergia que variam desde a utilização de resíduos agrícolas até o biodiesel, passando pelo etanol.

Um grande marco na questão energética brasileira foi a criação da Petrobras em 1953. A história da empresa está relacionada ao processo de industrialização do Brasil, sendo marcada por vultosos investimentos em pesquisa e desenvolvimento com ênfase na exploração do petróleo. Atualmente, a Petrobras atua na exploração, produção e comercialização de petróleo, gás natural e alguns derivados, tendo expandido sua atuação para a energia renovável. Porem, a sua marca é a exploração de petróleo, não sendo mero acaso seu pioneirismo na exploração de petróleo em águas profundas.

A Petrobras, embora ainda careça de avançar no refino, é um exemplo bem sucedido de uma politica energética consistente. Já não pode se dizer o mesmo das energias renováveis. O relativo sucesso da energia da biomassa no Brasil é fruto de políticas como o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), em 1975, e o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), na década de 2000.

Em decorrência da crise do petróleo dos anos 1970 e a dependência energética do Brasil com grande peso na balança comercial, foi criado o PROÁLCOOL com o objetivo de estimular a produção do álcool visando os mercados interno e externo. De acordo com o decreto, a produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar ou de qualquer outro insumo deveria ser incentivada por meio da expansão da oferta de matérias-primas, com especial ênfase no aumento da produção agrícola, da modernização e ampliação das destilarias existentes e da instalação de novas unidades produtoras e armazenadoras. O PROÁLCOOL foi um programa bem-sucedido na substituição dos derivados de petróleo por biocombustíveis - em 2021 substituiu cerca de 40% dos 50 milhões de litros abastecidos por veículos movidos à gasolina e/ou etanol.

No início da década de 2000, também estimulado pelo aumento nos preços internacionais do petróleo, o Brasil sofreu um novo espasmo na produção de energia da biomassa. Um exemplo foi a mistura em caráter experimental do biodiesel ao diesel fóssil em 2004. A obrigatoriedade da adição de 2% de biodiesel ao diesel mineral veio em 2005, evoluindo para 12% na atualidade.

As experiências com biocombustíveis de primeira geração no Brasil já tem mais de um século e se constituem em um verdadeiro feito tecnológico, ambiental, econômico, social e político, uma vez que a produção de biocombustíveis no País contou com a sinergia da sociedade e do Estado, que desenvolveram a produção agrícola adaptada ao clima e solo brasileiros e tecnologia industrial para a produção eficiente de biocombustíveis e, mais recentemente, de bioenergia. Além disso, tanto o Proálcool quanto o PNPB responderam a quase todas as metas estabelecidas, incluindo a redução dos impactos ambientais. Com todo esse background, qual deveria ser o esforço do Estado brasileiro para construir políticas perenes que não ponham em risco o setor, em qualquer que seja o contexto?

A substituição do petróleo por combustível renovável é multifacetada. É técnica, considerando que é necessário o contínuo desenvolvimento e implementação de alternativas de segunda e terceira geração de biocombustíveis, os quais utilizam bioprodutos de matérias primas que foram usadas para alimentação animal e humana e fontes alternativas como microalgas (que não competem com matérias primas para alimentação). É social, do ponto de vista de buscar a sustentabilidade ao mesmo tempo em que garante a segurança alimentar. E é também organizacional e estratégica, sendo necessário planejamento e investimentos no setor de energia renovável. Com o potencial agrícola e industrial existente no Brasil, com o planejamento estratégico aliado a um cenário internacional favorável à energia limpa nos países desenvolvidos, o Brasil tem o potencial e a oportunidade de se firmar como um líder global em geração de energia da biomassa.

*Pedro Abel Vieira, *Roberta Grundling e *Elísio Contini são funcionários da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e *Antonio Márcio Buainain é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Plantio de cana-de-açúcar - Foto: Divulgação

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