Escrito por Neo Mondo | 20 de maio de 2025
A própolis analisada foi coletada por abelhas-canudo, nativas da Amazônia e criadas em cultivos de açaí. O extrato foi testado em cobaias de laboratório e apresentou resultados comparáveis aos de pomadas cicatrizantes disponíveis no mercado - Foto: Vinícius Braga
Por - Vinicius Soares Braga, Embrapa Amazônia Oriental / Neo Mondo
Pesquisa comprova que própolis da abelha-canudo acelera a cicatrização de feridas e reduz inflamação
Um novo estudo conduzido por cientistas da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e da Universidade Federal do Pará (UFPA) identificou propriedades cicatrizantes e anti-inflamatórias em um creme formulado com própolis produzida por abelhas sem ferrão nativas da Amazônia. A substância foi extraída da espécie Scaptotrigona aff. postica, conhecida como abelha-canudo, e testada em cobaias de laboratório com resultados comparáveis aos de pomada cicatrizante disponível no mercado.
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Além da eficácia na recuperação dos ferimentos, o creme à base de própolis se destacou por apresentar menor resposta inflamatória e uma regeneração dos tecidos com melhor qualidade em comparação a uma pomada comercial. A pesquisa sugere um novo potencial farmacêutico para um bioproduto tradicionalmente usado por populações humanas desde a antiguidade.
Os resultados foram divulgados no artigo Healing Activity of Propolis of Stingless Bee (Scaptotrigona aff. postica), Reared in Monoculture of Açaí (Euterpe oleracea) publicado na revista científica Molecules. A pesquisa é fruto de um esforço conjunto de instituições científicas da Região Norte para valorizar produtos naturais da biodiversidade amazônica.
A abelha-canudo vem sendo estudada pela sua eficiência na polinização do açaizeiro. O artigo foi um desdobramento de uma pesquisa que avaliava a frequência desse inseto nativo nas flores de açaí. “Como ela produz bastante própolis, foi levantada a questão da possível influência do ambiente de açaizeiros na qualidade desse produto”, conta o professor da UFPA Nilton Muto, um dos autores da publicação.
A própolis é resultado da combinação de substâncias derivadas de resinas vegetais e pólens, coletadas pelas abelhas no ambiente, combinada cera que elas próprias produzem. Embora não tenha sido determinado pelas análises a origem das substâncias da própolis pesquisada, os autores acreditam que o ambiente de cultivo de açaí onde as colmeias foram instaladas contribuiu para dar uniformidade à sua composição química. “A palmeira do açaí (Euterpe oleracea) é altamente valorizada por suas elevadas concentrações de compostos fenólicos e antocianinas, que possuem significativa capacidade antioxidante”, afirmam os autores.
As análises químicas realizadas na própolis da abelha-canudo coletada em ambiente de cultivo de açaí apresentaram uma boa concentração de compostos bioativos. Essas substâncias são reconhecidas por ter um papel importante na promoção e manutenção da saúde humana. A presença de compostos fenólicos, por exemplo, excederam em mais de 20 vezes a quantidade mínima estabelecida pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para determinar a qualidade da própolis. Já a classe dos flavonoides superou em quase quatro vezes o índice mínimo estabelecido pela mesma regulamentação.
“Não basta dizer o milagre. É preciso também dar o nome do santo”, brinca o professor ao referir as relações entre a composição da própolis estudada e os resultados que o creme dessa substância obteve na cicatrização dos ferimentos. Na análise macroscópica, a olho nu, tanto o creme à base de própolis da abelha-canudo quanto a pomada de uso comercial tiveram desempenho semelhante, diminuindo o tamanho do ferimento. Ao analisar com microscópio os tecidos, no entanto, os pesquisadores encontraram diferenças significativas.
“Observamos uma recuperação mais rápida de fibras colágenas tipo 1 e tipo 3 e na redução da inflamação no tratamento envolvendo a própolis”, afirma Muto. Ele explica que essas fibras são importantes porque fornecem suporte ao tecido que está regenerando, enquanto um menor processo inflamatório também facilita a cicatrização. Essas vantagens são atribuídas pelos pesquisadores à presença dos compostos bioativos encontrados na própolis da abelha-canudo.
Até o momento nenhum creme à base de própolis com origem em cultivo de açaí havia sido descrito. Um biofármaco assim também oferece como benefício menor possibilidade de efeitos colaterais, nível reduzido de resíduos químicos e quantidade mínima de conservantes.
As propriedades medicinais da própolis são conhecidas pelas populações humanas desde a antiguidade. Ela é um bioproduto versátil, com aplicações na farmacologia, medicina, cosmetologia e indústria alimentícia. Para as abelhas, a própolis tem função de proteção da colmeia, cobrindo frestas e isolando o ambiente. Por ter propriedades antimicrobianas, a própolis também protege a colmeia contra doenças. Quando há invasão de algum inseto, e não pode ser retirado depois de morto, elas o cobrem com própolis, para evitar a proliferação de microrganismos.
Diferentemente de outras abelhas nativas da Amazônia, como a uruçu-amarela e a uruçu-cinzenta, a abelha-canudo não inclui barro na formulação de sua própolis. “Isso confere um produto livre de contaminantes que podem ser trazidos pelo solo”, explica o pesquisador da Embrapa Daniel Santiago, um dos autores do artigo.
Pesquisas anteriores verificaram que a abelha-canudo é uma eficiente polinizadora do açaí, devido ao seu pequeno porte e ao fato de visitar tanto as flores masculinas quanto as femininas. Com a expansão dos cultivos de açaí, os produtores têm buscado instalar caixas de abelhas sem ferrão em suas áreas para a polinização dirigida e aumento da produtividade.
Dessa forma, segundo Santiago, a cadeia produtiva do açaí tem incentivado a meliponicultura, como é chamada a criação de abelhas sem ferrão. “Nesse contexto surge a questão de identificar novos produtos relacionados a essa atividade. E a abelha-canudo tem como característica de seu comportamento uma maior produção de própolis, quando comparada às demais abelhas nativas da região”, explica o pesquisador sobre a motivação do estudo.
No experimento realizado, foram instaladas caixas com abelhas-canudo em meio a um raio de cerca de 450 metros de plantios de açaí. “Observamos que o voo das abelhas para buscar alimentos era de até 300 metros. Por isso, podemos deduzir que houve uma influência desse ambiente na produção da própolis”, afirma Santiago.
À medida que as pesquisas sobre o sistema de manejo para polinização do açaizeiro como serviço avançam, de acordo com Santiago, as potencialidades de novos produtos são identificadas e isso demanda novos estudos. “No caso do própolis da abelha-canudo, para dar escala a esse produto teríamos de identificar os indivíduos mais aptos para essa atividade e as formas de manejo mais adequadas”, exemplifica o pesquisador. E como a produção de própolis em cada colmeia é pequena, seriam necessários muitos produtores para alcançar as quantidades suficientes para dar viabilidade comercial ao produto.
Outro produto da abelha-canudo que vem sendo estudado é o pólen, que elas coletam, processam e transformam num alimento rico em aminoácidos. O mel, no entanto, ainda não é produzido pela abelha-canudo em quantidade atrativa para a comercialização, mas apresenta diferenciais frente aos méis disponíveis no mercado.
Além de Muto e Santiago, assinam o artigo: Sara R. L. Ferreira, Suzanne A. Teixeira, Gabriella O. Lima, Jhennifer N. R. S. de Castro, Luís E. O. Teixeira, Carlos A. R. Barros, Moisés Hamoy e Veronica R. L. O. Bahia.
Os estudos sobre as potencialidades da própolis compõem as linhas de pesquisa com abelhas nativas da Embrapa Amazônia Oriental em parceria com a academia. No Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia, ligado ao Parque de Ciência e Tecnologia Guamá e à Universidade Federal do Pará (UFPA), alunos e professores investigam as possibilidades de novos produtos a partir da biodiversidade da região, enquanto em propriedades de agricultores e na Embrapa é estudado o manejo de abelhas, nativas e africanizadas, sua relação com a polinização de cultivos e fornecimento de bioprodutos. A investigação sobre a própolis foi um dos temas trabalhados pelo projeto Agrobio, financiado pelo Fundo Amazônia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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