Escrito por Neo Mondo | 16 de junho de 2025
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POR - OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
A COP30 começa onde o discurso e a prática precisam se encontrar
A estrada que leva a Belém começa em Bonn. Ali, nas salas de negociação da SB62, as bases técnicas da COP30 estão sendo traçadas sob pressão. A presidência brasileira da conferência, com voz firme e prazos cronometrados, exige dos países algo mais do que boas intenções: exige eficiência, transparência e urgência.
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Com mais de 30 eventos oficiais e 50 itens de agenda, Bonn deveria ser um passo firme em direção a um pacto climático consistente. Mas, até aqui, o que se vê é um ensaio de improviso global, onde a dissonância entre o que se fala e o que se faz ameaça a credibilidade do processo.
Enquanto negociadores discutem financiamento, adaptação e transição energética na Alemanha, o presidente Lula circula entre as potências do G7 no Canadá — tratando dos mesmos temas, em outro tom. A presença brasileira nas duas frentes sinaliza protagonismo, mas também impõe uma pergunta inevitável: que Brasil, afinal, a COP30 pretende apresentar ao mundo?
No mesmo dia em que diplomatas tentam alinhar metas climáticas em Bonn e Lula busca apoio geopolítico em Kananaskis, o governo brasileiro oferece ao mercado 602 novos blocos de petróleo e gás, incluindo áreas sensíveis como a Foz do Amazonas.
A repercussão foi imediata — e devastadora. A imprensa internacional acusa o país de hipocrisia climática. A Bloomberg rotula o Brasil como um "petroestado desgovernado". O The Guardian ecoa um alerta técnico: se todos os blocos forem explorados, as emissões podem ultrapassar 11 bilhões de toneladas de CO₂, o equivalente a mais de seis anos do total emitido pelo agronegócio nacional.
Relatórios de instituições como IISD, WWF-Brasil e World Benchmarking Alliance indicam que 85% dos projetos de expansão da Petrobras são economicamente inviáveis em um cenário compatível com a meta de 1,5 °C. Traduzindo: insistir nos fósseis pode significar perder bilhões em ativos encalhados — e o futuro.
A última carta da presidência da COP30, publicada em 6 de junho, foi clara:
Mas tudo isso depende de uma palavra que ainda falta no vocabulário diplomático brasileiro: desfossilização.
No dia 21, o Brasil lidera um evento ao lado da ONU e da UNESCO para lançar a “Iniciativa Global pela Integridade da Informação Climática”. Trata-se de um movimento contra a desinformação e a propaganda de combustíveis fósseis — que hoje seguem livres para distorcer, omitir e manipular a opinião pública.
A proposta ecoa um relatório recente da ONU que denuncia como a indústria fóssil tem obstruído a ação climática há mais de seis décadas, violando direitos humanos e travando decisões globais. O documento pede o fim do lobby, da publicidade enganosa e da influência indevida. Em outras palavras: desfossilizar não é só urgente — é uma obrigação legal e moral.
Com apenas 22 países apresentando novas NDCs para 2035, a pressão aumenta sobre China, Índia e União Europeia. Sem metas robustas e financeiramente viáveis, o Acordo de Paris corre risco de virar uma carta de boas intenções sem efeito real. Um estudo da OCDE joga luz sobre o dilema: ações climáticas ambiciosas podem elevar o PIB global em até 13% até 2100, enquanto a inação já compromete a próxima década.
Na arquitetura frágil da diplomacia climática, há momentos em que os debates não apenas antecipam decisões — eles moldam destinos. A conferência intersemestral de Bonn, que precede a COP30, é um desses momentos. Entre as muitas vozes, documentos e painéis, alguns temas emergem como vértices do que pode ser uma mudança real ou mais um capítulo de adiamento coletivo.
Após o primeiro Global Stocktake (GST), a expectativa que paira em Bonn é simples e brutal: os países responderão com ambição ou hesitação?
Revisar as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) à luz do que a ciência já revelou sobre o limite de 1,5 °C é mais do que uma meta técnica — é um chamado à coerência moral. A implementação dessas metas — ou sua ausência — será o verdadeiro termômetro da seriedade dos compromissos internacionais.
A urgência da eliminação progressiva dos combustíveis fósseis já não é apenas climática: tornou-se uma questão de credibilidade política. Em Bonn, o debate gira em torno de como acelerar essa virada — o que implica ampliar a eficiência energética, destravar investimentos em renováveis e garantir que a transição seja justa, sem deixar comunidades para trás. Não se trata mais de “se”, mas de “quando” e “como”.
Avançar no combate ao desmatamento e à conversão de ecossistemas será outro ponto nevrálgico. É preciso ir além de declarações. Espera-se um pacote técnico e financeiro que alinhe compromissos já assumidos no Balanço Global com mecanismos de implementação concretos. Sem isso, a promessa de conservar biodiversidade seguirá sendo apenas retórica em meio à floresta que queima.
Nenhuma transição se sustenta sem recursos. O "Roteiro de Baku a Belém", que busca mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais até 2035, representa mais do que números: é a tentativa de reequilibrar um sistema financeiro ainda distante da coerência com os objetivos climáticos. É imperativo definir metas claras, responsabilidades compartilhadas e mecanismos para perdas e danos — especialmente para países que já vivem a face mais dura da crise.
A justiça climática deixou de ser um apêndice para tornar-se eixo estruturante das negociações. Bonn trará à tona o papel das populações historicamente marginalizadas, como os povos indígenas e comunidades locais, no redesenho das NDCs e na formulação de políticas mais éticas, representativas e eficazes. O Brasil, à frente da COP30, propõe incorporar essas vozes nos centros de decisão — não por benevolência, mas por legitimidade histórica.
A discussão sobre adaptação ganha densidade com a apresentação de um conjunto inédito de indicadores, abrangendo áreas sensíveis como saúde, água e ecossistemas. Bonn será o laboratório onde países poderão testar a consistência dessas métricas, antes da validação final em Belém. O que está em jogo é nossa capacidade de mensurar a resiliência em um planeta em mutação.
É possível liderar a transição ecológica enquanto se cava novos poços?
É legítimo falar em justiça climática enquanto se silencia comunidades ameaçadas pela exploração fóssil?
É crível defender a integridade da informação e, ao mesmo tempo, investir em propaganda de petróleo?
Entre Bonn e Belém, há um caminho que precisa ser trilhado com coerência, coragem e compromisso. O tempo para discursos acabou. Agora é hora de decidir — de que lado da história o Brasil quer estar?
Em Bonn, os temas estão postos. O que falta — como sempre — é vontade política.
A COP30 será julgada não pelo que prometer, mas pelo que começar a consolidar desde já.
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