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ODS 14 – Vida na água: conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares, e dos recursos marinhos para o desenvolvimento 

Escrito por Neo Mondo | 4 de junho de 2024

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Imagem: Freepik

Você está de costas para o Oceano?

Por Alexander Turra*

Historicamente o processo de colonização do Brasil e de outros países se deu pelo litoral, tendo sua expansão para áreas interiores motivada por riquezas, como metais e pedras preciosas e novas terras. Ainda que hoje uma parcela significativa da população viva nas regiões costeiras, seu olhar para o oceano é limitado. Ainda não reconhecemos sua importância e o papel das nossas atividades em degradar esse sensível ambiente.

Como resultado, as zonas costeiras e o oceano vinham sendo excluídos dos movimentos que visavam promover a sustentabilidade do planeta. A consequência disso foi o agravamento da degradação ambiental, que tem desdobramentos socioeconômicos relevantes. Visando reverter esse cenário, o oceano foi priorizado na Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da proposição do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14, Vida na Água, que visa a “Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”.

Em linhas gerais, o ODS 14 pretende combater as fontes de degradação do ambiente marinho, regulamentar a pesca, aumentar as áreas marinhas protegidas e promover uma gestão mais efetiva dos territórios marinhos e costeiros. Como uma ação adicional para contribuir com a implementação do ODS 14, a ONU propôs, entre 2021 e 2030, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. A Década do Oceano busca promover a ciência de que precisamos para termos um oceano: limpo; saudável e resiliente; produtivo e usado de forma sustentável; previsível; seguro; transparente e acessível; e inspirador e envolvente.

Apesar dos avanços visíveis e crescentes da Década do Oceano em mobilizar a comunidade internacional e incentivar a promoção de avanços científicos relevantes, não temos percebido melhoras na situação do oceano. De fato, o ODS 14 é aquele que tem recebido menos recursos e aquele que tem exibido menores avanços no Brasil e no mundo em relação aos demais ODSs. Isso significa que a humanidade está perdendo uma oportunidade única para fortalecer seu mais importante aliado na busca pela sustentabilidade do planeta. 

O oceano provê benefícios materiais, que nos auxiliam a combater a insegurança alimentar, por meio da pesca e aquicultura, e a insegurança energética, por meio da energia solar e eólica, que nos ajudam na transição para uma economia de baixo carbono. Estamos falando, inclusive, do papel do oceano em regular o clima e definir os padrões de chuva que sustentam a pujante agricultura brasileira e em produzir metade do oxigênio presente na atmosfera.

Segundo o Painel de Alto Nível para uma Economia Sustentável do Oceano, esse ambiente pode contribuir com a geração de 40 vezes mais energia renovável até 2050, seis vezes mais alimento sustentável até 2050 e 12 milhões de empregos até 2030, gerando 15,5 trilhões de dólares de benefícios líquidos de investimentos oceânicos sustentáveis até 2050 e contribuindo com a redução de 20% das emissões de gases do efeito estufa.

Além disso, o oceano também provê benefícios imateriais. Ele é palco e inspiração para diversas manifestações culturais, religiosas e atividades de lazer e recreação, tendo um papel relevante na promoção do bem-estar humano. 

O oceano é, portanto, um agente da promoção da sustentabilidade no planeta, tendo um papel transversal na busca dos demais ODSs. Tendo clareza de toda essa importância, vem a pergunta: por que ainda estamos de costas para o oceano e não fazendo mais por ele? A resposta passa pela necessidade de ampliarmos o conhecimento sobre o ambiente marinho na sociedade, para que ela se torne uma aliada nesse processo de resgate do oceano e de sua capacidade de gerar e compartilhar prosperidade. 

Alexander Turra – Foto: DivulgaçãoProfessor

Mas como podemos fazer isso? Como podemos amplificar o alcance das atividades que vem sendo feitas? Como podemos fazer mais, melhor e diferente para qualificarmos a relação da humanidade com o oceano? Os caminhos para isso são tão diversos e numerosos quanto os rios do planeta, que mais cedo ou mais tarde desembocam no mar. E, nesse sentido, a resposta à inquietação provocada acima está no ODS 17 “Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”. Em outras palavras, a resposta está em identificarmos sinergias e mecanismos de incentivo para a implementação da Década do Oceano e do ODS 14.

Certamente devemos considerar, nesse processo, a promoção da Cultura Oceânica, por meio da inserção do oceano nas escolas e nos mais variados veículos e estratégias de comunicação, o fomento ao jornalismo científico, o amplo apoio à pesquisa, tecnologia e inovação e o incentivo à promoção de negócios e empregos “azuis” que construam soluções transformadoras para a promoção da sustentabilidade do oceano.

Temos que falar sobre o oceano, estudar o oceano e fazer mais pelo oceano. Com isso, cuidaremos do nosso futuro, mas também do futuro de outras formas de vida e do planeta. O futuro do oceano tem tudo a ver conosco e com nossas atitudes, individuais e coletivas. E você? Você também está de costas para o oceano? Se sim, está na hora de olhá-lo de frente e deixar que ele inunde sua mente, seu coração, sua alma e suas atitudes.

*Alexander Turra é professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), é Coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano. É membro da coordenação do programa Biota-Fapesp, do Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente e Sociedade (IEA), da Coalizão Ciência e Ambiente e da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

Biólogo com mestrado e doutorado em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas, Turra é Bolsista 1B de produtividade em pesquisa do CNPq. Tem atuação voltada para o exercício da pesquisa interdisciplinar e integrada, com foco em termos como governança, manejo integrado e conservação marinha, impacto ambiental marinho, mudanças climáticas, poluição marinha e funcionamento de ecossistemas marinhos.

Integra fóruns e organizações nacionais e internacionais com abordagens multi e transdisciplinares voltadas para a integração entre ciência e tomada de decisão. É editor associado das revistas Ocean and Coastal Research (Brazilian Journal of Oceanography) e Ambiente e Sociedade e editor da série Brazilian Marine Biodiversity (Springer Nature).

Foi agraciado com Kirby Laing Fellowship na School of Ocean Sciences, Bangor University, no Reino Unido, e com a medalha Mérito de Tamandaré da Marinha do Brasil.  

**As opiniões expressas no artigo não necessariamente expressam a posição de NEO MONDO.

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