Protagonista de uma das cenas mais famosas da mobilização indígena contra a usina de Belo Monte, a líder indígena morreu em Redenção (PA) de câncer – Foto: Repórter Brasil
POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Tuíre se destacou como uma pioneira no protagonismo feminino na defesa dos direitos dos povos indígenas. Sua trajetória abriu caminho para novas lideranças, como a deputada federal Célia Xakriabá, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara
No último sábado, 10 de agosto, o Brasil perdeu um dos maiores ícones da resistência indígena. Tuíre Kayapó Mẽbêngôkre, aos 54 anos, faleceu devido a complicações de um câncer no útero. Sua vida e legado, no entanto, continuam vivos na memória coletiva e na luta dos povos indígenas do país.
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O ato que parou Belo Monte
Tuíre tornou-se mundialmente conhecida no final da década de 1980, quando, aos 19 anos, em uma audiência em Altamira, no sul do Pará, ergueu um facão e o pressionou contra o rosto de um engenheiro da Eletronorte. A audiência discutia a construção do complexo de hidrelétricas no rio Xingu, projeto então conhecido como Kararaô. A imagem do gesto de Tuíre se tornou um símbolo de resistência, mostrando ao mundo que os povos indígenas não aceitariam a destruição de suas terras e da floresta. A força de sua ação foi decisiva para paralisar as obras por duas décadas, levando à remodelação do projeto e à mudança de nome para Belo Monte.
Uma vida de luta e protagonismo
Muito além do episódio do facão, Tuíre Kayapó dedicou sua vida à defesa dos direitos dos povos indígenas. Ela foi pioneira no protagonismo feminino dentro do movimento indígena, liderando marchas e protestos em Brasília e tornando-se um exemplo para futuras gerações de mulheres indígenas. Em suas próprias palavras, “Meu corpo representa o facão, e o facão representa meu corpo, pois são uma única força. Uma força e uma luta. Uma história.”
Essa força inspirou outras mulheres a seguir seus passos. A atuação de Tuíre abriu caminho para a eleição de lideranças indígenas como Célia Xakriabá, deputada federal pelo PSOL, Joenia Wapichana, atual presidente da Funai, e Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas.
Legado e futuro
A influência de Tuíre não se limitou às suas ações políticas. Em 2022, ela organizou um encontro de mulheres indígenas em sua aldeia, Tekrejarotire, reunindo mais de 50 participantes. Segundo Nhaktak Kayapó, Tuíre sempre lutou pela preservação da cultura, dos direitos e das florestas indígenas. “Ela nos deixou um legado e o trabalho que ela começou continuará”, afirmou Nhaktak.
Patkore Kayapó, sobrinho de Tuíre e presidente da Associação Floresta Protegida, também destacou a importância do exemplo deixado por sua tia. “Ela era uma guerreira corajosa, que nos mostrou o caminho a seguir.”
A nova geração de Tuíres
Antes de partir, Tuíre fez questão de ser fotografada ao lado de sua neta, que carrega o mesmo nome e já empunha uma miniatura do facão. “Ela vai me representar quando crescer. É a nova Tuíre que está surgindo, que vai defender o povo como eu estou fazendo”, disse. Essas palavras demonstram a confiança que Tuíre tinha na continuidade de sua luta pelas próximas gerações.
Última luta: O Marco Temporal
Nos últimos dias de sua vida, Tuíre ainda expressou sua indignação em relação ao Marco Temporal, um projeto de lei que coloca em risco os direitos territoriais dos povos indígenas. Poucos dias após sua última entrevista, líderes indígenas foram barrados de uma reunião para discutir o tema em Brasília, confirmando a desconfiança de Tuíre em relação às intenções do governo.
Tuíre Kayapó Mẽbêngôkre deixa um legado imortal, que continuará a inspirar aqueles que lutam por justiça, dignidade e pela preservação das terras e culturas indígenas. Ela deixa seu marido Kôkôto Kayapó, o cacique Dudu, duas filhas e netos, mas sua memória e luta permanecerão vivas em cada ato de resistência indígena.
Com informações da REPÓRTER BRASIL.