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POR – KAMILA CAMILO
O conceito de reparação climática não é difícil de entender, na prática, significa que quem mais polui deve arcar não apenas com os custos imediatos das perdas e danos, mas também com o histórico de impactos negativos causados a determinados grupos da população. E, em sua maioria, esses grupos são formados por pessoas de menor poder aquisitivo, mulheres, crianças, populações negras e comunidades tradicionais. Se nomear não é tão difícil, fazer acontecer exige ações complexas e globais.
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Neste mês de março, participei de um encontro em Roma ao lado de mais de 80 pessoas de diversos lugares do mundo a convite da Taproot Earth (TE), uma organização global de justiça climática sediada nos Estados Unidos, para discutir a reparação climática no contexto da fé. Qual é o papel da Igreja nesse processo? O que pode ser feito agora, já que o passado não pode ser mudado?
Para que a reparação climática seja efetiva, devemos considerar três aspectos fundamentais:
1. Responsabilidade histórica – A Revolução Industrial na Europa, que teve início no século XVIII, marcou uma transformação econômica e tecnológica sem precedentes, impulsionada pelo uso intensivo de combustíveis fósseis, como carvão e, posteriormente, petróleo. Esse período de rápida industrialização permitiu um crescimento econômico exponencial para os países europeus, mas também lançou as bases para a atual crise climática. A queima desenfreada de combustíveis fósseis resultou no acúmulo massivo de gases de efeito estufa na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global e seus impactos devastadores.
Além disso, a extração predatória de recursos naturais e a exploração de territórios e populações em regiões colonizadas intensificaram as desigualdades ambientais e sociais.
Hoje, as nações que mais se beneficiaram desse modelo industrial são as que possuem maior responsabilidade histórica e devem liderar os esforços para reparar os danos causados ao planeta e às populações mais vulneráveis.
2. Mitigação – Reduzir e cortar emissões de gases de efeito estufa é essencial. Parte dos investimentos em reparação climática também deve ser direcionada àqueles que menos contribuem para as mudanças climáticas, mas que sofrem as piores consequências.
É importante notar que as emissões globais de CO₂ provenientes de combustíveis fósseis continuam a aumentar, atingindo níveis recordes. Segundo dados publicados na revista Earth System Science Data, em 2024, essas emissões aumentaram 0,8% em relação a 2023, totalizando 41,6 bilhões de toneladas, com a queima de combustíveis fósseis contribuindo com 37,4 bilhões de toneladas.
3. Adaptação climática – O conceito de adaptação climática parte da premissa de que algumas crises climáticas já são irreversíveis. As pessoas e territórios impactados precisam encontrar formas de sobreviver em uma nova realidade onde os impactos negativos são constantes. Investimentos devem ser feitos para fortalecer a resiliência dessas comunidades.
A reparação climática deve oferecer suporte às comunidades locais para que possam se adaptar a um novo futuro, onde suas realidades e meios de subsistência foram drasticamente alterados.
Apesar do avanço das discussões sobre reparação climática nas conferências da ONU, pouco tem sido efetivamente implementado. O Fundo de Perdas e Danos foi criado, mas ainda não há mecanismos eficientes para que os recursos cheguem às mãos de quem realmente precisa. Além disso, os países ricos ainda estão longe de contribuir com os valores necessários.
A Igreja Católica pode desempenhar um papel crucial nesse debate, não apenas mobilizando atores políticos, mas também investindo seus próprios recursos para reduzir os impactos da crise climática – uma crise para a qual a própria Igreja, em diferentes momentos da história, também contribuiu.
A reparação climática é um compromisso inadiável. Cabe a todos nós garantir que aqueles que mais poluíram assumam sua responsabilidade e ajudem a construir um futuro mais justo e sustentável para todos.
Kamila Camilo é uma empreendedora social negra brasileira LGBTIQ+ dedicada a conectar grandes organizações a movimentos de base para impulsionar ações climáticas de impacto. Como fundadora do Instituto Oyá e da iniciativa Creators Academy, ela lidera uma rede de 120 influenciadores que alcançam mais de 12 milhões de pessoas no Brasil. Atualmente, Kamila integra os conselhos dos Institutos Talanoa e Igarapé, promovendo políticas climáticas e estratégias de segurança pública, além de colaborar com a GainForest para impulsionar soluções climáticas baseadas em dados. Finalista da competição XPrize Rainforest com a equipe ETH BiodiX, Kamila continua a defender abordagens inovadoras para a sustentabilidade e a justiça climática.