Imagem gerada por IA – Foto: Divulgação
POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
Com novas normas climáticas internacionais se tornando obrigatórias, empresas brasileiras terão que provar, com dados, se realmente são sustentáveis — ou não
A sustentabilidade deixou de ser uma pauta opcional para se tornar um imperativo de mercado. A partir de 2026, todas as empresas de capital aberto no Brasil serão obrigadas a divulgar relatórios de sustentabilidade seguindo os padrões internacionais do ISSB (International Sustainability Standards Board). A promessa é ambiciosa: transformar a maneira como o risco climático e as oportunidades ambientais são incorporados ao valor das empresas.
Leia também: 18 anos de Neo Mondo: compromisso renovado com a transparência e a sustentabilidade
Leia também: USP lança Cátedra Clima & Sustentabilidade com Carlos Nobre como titular: um marco para a ciência brasileira e global
Mas a realidade atual acende um alerta vermelho.
Entre cerca de 700 companhias listadas na bolsa brasileira, apenas duas — Renner e Vale — aderiram voluntariamente ao período de testes previsto para 2024 e 2025. Um índice quase simbólico que revela um problema estrutural: o país está atrasado — e mal preparado — para o novo paradigma de transparência climática.
Diagnóstico ou confissão?
Para entender a extensão das dificuldades, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou uma pesquisa inédita com empresas, investidores, auditores e consultorias. A meta é clara: traçar um diagnóstico preciso antes que a regra se torne obrigatória.
A iniciativa é bem-vinda, mas os números já conhecidos são preocupantes. Uma pesquisa da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) mostra que 21% das empresas sequer iniciaram o mapeamento de lacunas frente às exigências das normas ISSB. Metade começou, mas ainda não concluiu. A fotografia é nítida: estamos diante de um risco concreto de descumprimento do cronograma.
Transparência real ou greenwashing de manual?
As novas normas vão muito além dos relatórios ESG genéricos e autodeclaratórios. Elas exigem, por exemplo, que as empresas revelem como o aumento de 1,5 °C na temperatura global pode impactar diretamente seus ativos. A padronização permitirá aos investidores comparar, com rigor, os riscos e oportunidades climáticos de cada negócio — e separar de vez quem pratica sustentabilidade de quem apenas diz que o faz.
Essa nova régua, além de ampliar a transparência, representa um ataque direto ao greenwashing, prática que ainda impera em muitas publicações corporativas.
O nó do escopo 3 — e da cadeia inteira
Um dos pontos mais críticos da nova regulação é a exigência de mensuração das chamadas emissões de Escopo 3 — aquelas que acontecem fora da empresa, mas dentro de sua cadeia de valor. São dados difíceis de rastrear, validar e integrar aos sistemas de governança. A CVM reconhece a complexidade e já sinalizou abertura para ajustes no cronograma, mas não nos conteúdos mínimos exigidos.
Ou seja: a régua está posta. O tempo, não.
Cultura corporativa ou cultura do improviso?
A resistência à adesão voluntária diz muito mais sobre a cultura empresarial brasileira do que sobre as normas em si. O prazo para que as empresas se inscrevam no período de testes foi estendido até dezembro de 2025, e a expectativa da CVM é de maior engajamento nos próximos meses.
Mas é preciso ir além da prorrogação de prazos. Estamos falando da necessidade de contratar profissionais especializados, aprimorar sistemas internos, treinar equipes e criar processos consistentes de governança climática. Nada disso acontece da noite para o dia.
Como alertou Nathalie Vidual, superintendente da CVM, “era bom ir pavimentando a estrada antes de chegar na adoção mandatória”. A estrada, até agora, segue esburacada.
O que está em jogo
O Brasil não está isolado nesse desafio. Ao todo, 56 jurisdições já anunciaram adesão ao modelo ISSB, incluindo potências como Reino Unido, Canadá e Japão. A União Europeia, inclusive, flexibilizou parte de sua legislação do Green Deal neste ano para dar fôlego às empresas, sem abrir mão da ambição.
O que está em jogo aqui não é apenas a reputação do mercado brasileiro. É a sua capacidade de competir globalmente em um cenário onde a sustentabilidade passou a ser critério de investimento, não apenas de imagem.
A contagem regressiva até 2027, quando os primeiros relatórios obrigatórios deverão ser divulgados, já começou. O país precisa decidir, agora, se vai encarar esse desafio como uma oportunidade estratégica — ou continuar postergando decisões que não podem mais ser adiadas.
Mais do que adequação normativa, trata-se de redefinir o que significa ser uma empresa relevante em um mundo que exige, cada vez mais, coerência entre propósito e prática.