Papa Francisco – Foto: Divulgação/Depositphotos
Por – Daniel Medeiros*, articulista de Neo Mondo
No filme Dois Papas, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, o cardeal Bergoglio vai a Roma para pedir ao Papa Bento XVI que o libere de suas funções cardinalícias, porque ele não acreditava mais no que estava fazendo. Bento recusa o seu pedido e revela a ele o desejo de renunciar, exatamente pela mesma razão. Revela, igualmente, que acredita que só o prelado argentino seria capaz de recolocar a Igreja no rumo.
Leia também: As distorções da Razão
Leia também: Educação para a democracia
Jorge nega veementemente o “convite” do papa, dizendo não ser digno dessa tarefa. Para se justificar, conta sobre seu passado de silêncio e de passividade diante das barbáries da ditadura argentina, enquanto colegas seus enfrentaram e sofreram as consequências desse enfrentamento. Bento ouve em um silêncio comovido e, então, lembra que a misericórdia não pode servir apenas para os outros — ela deve incluir-nos também. E que Jorge Bergoglio redimiu-se dedicando sua vida sacerdotal às mesmas pessoas que seus amigos defendiam, e que, mesmo durante os duros anos da violência militar na Argentina, ele foi responsável por cuidar, esconder e ajudar na fuga de dezenas de pessoas.
Não podemos ser tão duros conosco, mas devemos buscar aceitar os mistérios de Deus, que nos dá força quando achamos que tudo está perdido, e esperança quando achamos que nada mais é possível — quando o mais fácil seria ter criado um mundo sem violência e sem desesperança.
Naquele momento, dois velhos homens de passados cinzentos — não esqueçamos que, na juventude, Ratzinger serviu na Juventude Hitlerista — selaram um acordo de mútua aceitação de suas incertezas e de mútuo compromisso com suas tarefas urgentes neste mundo.
E assim, depois de quase 600 anos, um papa renuncia e outro conclave é realizado. Bergoglio é eleito. Assume para si o nome de Francisco, recusa as ricas vestes e paramentos e anuncia uma Igreja disposta a ouvir as queixas contra ela própria e a aceitar sua imperfeição da melhor forma possível: sendo misericordiosa com seus defeitos. Pois disso é feito o mistério — se Deus nos quisesse bons, teria criado apenas bons. Mas Deus criou-nos à sua imagem e semelhança.
Francisco, depois de uma vida de amor, mas também de medo; de dedicação, mas também de fuga; de fidelidade, mas também de dúvida, compreendeu que esse é o nosso legado: sermos como Deus. E dedicou seu pontificado a expressar esse mistério da imperfeição — e da busca não por corrigi-la, mas por aceitá-la, por conviver com ela e, enfim, por amar no defeito, na incompletude, na incapacidade. Pois desse barro e desse sopro é que todos fomos feitos.
*Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR.
E-mail: danielhortenciodemedeiros@gmail.com
Instagram: @profdanielmedeiros