A Lei do Mar estabelece diretrizes para a gestão integrada das atividades no oceano – Imagem gerada por IA – Foto: Divulgação
ARTIGO
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Por – Leandra Gonçalves* e Letícia Camargo*
A recente aprovação do Projeto de Lei nº 6.969/2013, conhecido como Lei do Mar, pela Câmara dos Deputados, representa um marco para a governança costeiro-marinha no Brasil. A proposta, que cria a Política Nacional para a Gestão Integrada, a Conservação e o Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho (PNGCMar), busca enfrentar um dos maiores desafios da gestão ambiental brasileira: a fragmentação institucional e setorial que, historicamente, caracterizou a atuação do Estado no espaço marinho.
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A Lei do Mar estabelece diretrizes para a gestão integrada das atividades no oceano, introduzindo instrumentos como o Planejamento Espacial Marinho (PEM) e reforçando princípios fundamentais, como a abordagem ecossistêmica, a gestão baseada em ciência e conhecimento tradicional e a participação social. A proposta reflete um esforço coletivo — construído ao longo de mais de uma década — que contou com a contribuição de pesquisadores, organizações da sociedade civil, comunidades de pesca artesanal, governos estaduais e diversos setores econômicos. Tamanho envolvimento em um assunto relacionado ao mar é sem precedentes.
O texto, originalmente apresentado pelos deputados Sarney Filho e Alessandro Molon, enfrentou resistência de setores como a pesca industrial e a Marinha, mas passou por ajustes para acomodar diferentes interesses. A partir de 2021, sob a relatoria do deputado Túlio Gadêlha, o texto foi articulado de forma a garantir segurança jurídica aos setores produtivos, sem abrir mão da conservação dos ecossistemas marinhos e do direito ao território tradicional.
Durante a votação, no entanto, a importância técnica da proposta foi colocada à prova. Argumentos contrários, apresentados por parlamentares como Ricardo Salles (PL-SP) e Evair de Melo (PP-ES), basearam-se em premissas frágeis e desinformadas, desconsiderando o amplo respaldo técnico e jurídico que o projeto acumulou ao longo de sua tramitação. A rejeição dessas tentativas de retrocesso demonstra o reconhecimento, por parte da maioria dos deputados, da necessidade de um novo marco legal para o oceano brasileiro.
A urgência da Lei do Mar torna-se ainda mais evidente diante do atual contexto de fragilidade das políticas ambientais no país. Em paralelo à aprovação desse marco, avança no Congresso a discussão sobre a flexibilização do licenciamento ambiental — tema que tem gerado preocupações entre especialistas e órgãos de controle. O risco de transformar o licenciamento em uma licença geral para destruir o meio ambiente é real, principalmente quando se desconsideram os princípios da precaução e da responsabilidade compartilhada, fundamentais para a gestão ambiental.
A aprovação da Lei do Mar oferece um contrapeso importante a essa tendência de desregulamentação. Ao prever uma gestão integrada, baseada em evidências científicas e no diálogo entre setores, o texto aprovado fortalece a capacidade do Brasil de ordenar o uso do mar de forma transparente, justa e sustentável. Essa abordagem é essencial para mitigar os riscos associados à sobreposição de atividades como a pesca, a extração de petróleo e gás, a mineração e a geração de energia offshore — além de reduzir os impactos cumulativos e os conflitos de uso no espaço marinho.
O momento é estratégico: o Brasil se prepara para a Conferência da ONU sobre o Oceano (UNOC), que será realizada em junho, na França. A aprovação da Lei do Mar demonstra ao mundo que o país não apenas possui uma das maiores Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) do planeta, mas também está disposto a assumir sua responsabilidade na conservação dos oceanos e no uso sustentável de seus recursos.
Agora, o texto segue para o Senado Federal. É fundamental que a tramitação ocorra de forma célere, responsável e transparente, evitando retrocessos e mantendo o compromisso com a ciência e a sustentabilidade. A sanção presidencial da Lei do Mar será um passo necessário para que o Brasil avance na implementação de políticas públicas eficazes para a proteção do oceano — contribuindo para a saúde do planeta e para o bem-estar das gerações presentes e futuras.
*Leandra Gonçalves – Professora no Instituto do Mar da UNIFESP. É bióloga, doutora pelo Instituto de Relações Internacionais e pós-doutora pelo Instituto Oceanográfico da USP. Pesquisa gestão e governança costeira e marinha há mais de 15 anos, focando na interface ciência-política e questões de gênero no oceano. Integra a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e contribui para relatórios da ONU (GEO6, IPBES, WOA). Idealizadora da Liga das Mulheres pelo Oceano, coordena o projeto WEBLUE sobre mulheres no oceano, endossado pela Década do Oceano da ONU. Bolsista do Programa Pew Marine Fellows, um dos principais programas de conservação marinha do mundo. Acompanha a lei do mar desde 2011.
Letícia Camargo – Gestora Ambiental, formada pela Universidade Federal do Paraná e Mestre em Políticas Ambientais e Territoriais pela Universidade de Ferrara. Atuou como consultora da ONU em projetos da FAO no Ministério da Pesca e da Agricultura e trabalhou como assessora técnica na Coordenação Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Foi assessora técnica de políticas socioambientais no Congresso Nacional e hoje é consultora de advocacy socioambiental do Painel Mar.