Cultura Destaques Educação Meio Ambiente Política Saúde Segurança Sustentabilidade

Adeus, Pepe Mujica: o camponês que semeou humanidade na política

Escrito por Neo Mondo | 14 de maio de 2025

Compartilhe:

Pepe Mujica em visita ao Chile - Janeiro de 2013 — Foto: Luis Hidalgo/AP

POR - OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO

No alvorecer do dia 13 de maio de 2025, o mundo se despediu de um de seus últimos grandes humanistas. Aos 89 anos, José "Pepe" Mujica partiu em sua modesta chácara em Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu — o mesmo solo onde plantou flores, ideias e utopias ao longo de uma vida que jamais se rendeu ao poder pelo poder.

Leia também: Se “Ainda Estou Aqui” vencer o Oscar, a sustentabilidade também ganha

Leia também: O cinema e o espelho de nossas falhas

O câncer de esôfago que enfrentava nos últimos anos venceu o corpo, mas não o espírito. Em janeiro, fiel à franqueza que o tornou amado e respeitado por milhões, Mujica anunciou ao mundo: “Meu ciclo está terminado. Claramente, estou morrendo.” Morria, sim — mas apenas no corpo. O homem, o mito, a metáfora viva de uma política feita com alma e barro, tornou-se eterno.

Um guerrilheiro da ternura

A história de Mujica é feita de dores e flores. Militante do grupo guerrilheiro Tupamaros nos anos 1960, foi preso em 1972 e passou quase 15 anos encarcerado — muitos deles em solitárias brutais, sob tortura e abandono. Mas nem a cela mais escura foi capaz de apagar a centelha revolucionária daquele que, anos depois, governaria o Uruguai com um olhar voltado aos pobres, à terra e ao tempo humano.

Libertado com a redemocratização, em 1985, Pepe reinventou-se. Tornou-se deputado, ministro da Agricultura e, entre 2010 e 2015, presidente da República. Devolveu à política sua dimensão ética e simbólica, ao recusar luxos, viver em uma casa simples, doar 90% do salário e conduzir um Fusca 1987 — que virou símbolo mundial de coerência.

Um estadista que desafiou o sistema

Em seu governo, Mujica liderou reformas históricas e progressistas: legalizou o aborto, o casamento igualitário e a produção e venda da maconha — decisões que o projetaram como referência global de coragem política. Também apostou em fontes de energia renovável e consolidou políticas sociais que reduziram a pobreza e a desigualdade no país.

No plano internacional, foi peça-chave no processo de paz na Colômbia, colocando sua biografia como ex-guerrilheiro a serviço da reconciliação e da vida. Um homem que sabia, como poucos, que o ódio político é a antessala da barbárie — e que só o diálogo constrói pontes duradouras.

Frases para atravessar gerações

Pepe Mujica não foi apenas um líder: foi também um filósofo popular, um poeta da resistência, um pensador do cotidiano. Deixou frases que ecoam como mantras de um novo mundo possível:

  • “Pobres não são os que têm pouco, mas os que querem muito. Eu não vivo com pobreza, vivo com austeridade. Preciso de pouco para viver.”
  • “Ser livre é gastar a maior quantidade de tempo da nossa vida naquilo que gostamos de fazer.”
  • “A utopia cumpre a função de nos guiar em meio à incerteza pela qual navegamos. Então já não é mais utopia — tem o calor de ser possível.”
  • “Não sou pobre. Sou sóbrio. Leve de bagagem. Vivo com o justo para que as coisas não me roubem a liberdade.”
foto de pepe mujica com o grupo aerosmith
O presidente uruguaio, Pepe Mujica, posa com a guitarra autografada que recebeu de presente ao lado dos membros da banda Aerosmith, em turnê na América do Sul, em Montevidéu em outubro de 2013 — Foto: Presidência do Uruguai via Reuters

Luto nacional, memória universal

O atual presidente do Uruguai, Yamandú Orsi, decretou três dias de luto nacional. Nas ruas, as homenagens se misturaram a lágrimas sinceras, canções populares e bandeiras hasteadas com gratidão. Mujica não foi só do Uruguai — foi do mundo. Um símbolo raro de integridade em tempos de cinismo e discursos vazios.

Seu legado é uma flor plantada em cada cidadão que crê na política como instrumento de transformação. Uma flor que brota sempre que alguém escolhe o caminho da simplicidade, da justiça e da ternura como forma de resistência.

José Mujica não morreu. Ele germinou.

E seguirá florescendo em cada utopia que se recusa a morrer.

Compartilhe:


Artigos anteriores:

Educação pelo Clima: Green Skills podem transformar o futuro dos jovens?

Fundação J.L. Setúbal propõe novo modelo de saúde infantil

Prazo para inscrições na 5ª edição do Prêmio de Comunicação Fundação José Luiz Setúbal se encerra em 11 de julho


Artigos relacionados