Embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência no Brasil – Foto: Ministério das Relações Exteriores
POR – OSCAR LOPES, PUBLISHER DE NEO MONDO
A interlocução da Presidência brasileira da COP30 escancara um dilema incômodo: o setor privado nacional está pronto para transformar discurso em ação climática?
Desde que foi confirmado como presidente da 30ª Conferência das Partes da ONU sobre Mudança do Clima (COP30), que ocorrerá em Belém do Pará, em 2025, o embaixador André Corrêa do Lago tem exercido uma liderança que vai além da diplomacia tradicional. Por meio de três cartas públicas — claras, incisivas e estrategicamente distribuídas —, ele tem desenhado uma cartografia moral e política do que se espera da COP no Brasil: ambição realista, transição justa e ação coletiva.
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Mais que comunicados institucionais, as cartas funcionam como manifestações de uma presidência que não se contenta com o protocolo. Elas convidam — ou melhor, convocam — empresas, governos e sociedade a deixarem a zona de conforto e se engajarem em um novo ciclo civilizatório. Mas a grande pergunta que ecoa a cada nova carta é: o setor empresarial brasileiro está realmente à altura desse chamado?
1ª Carta: Entre o realismo e a coragem
Na primeira carta, publicada em 2023, Corrêa do Lago lançou o conceito de “ambição viável” — um equilíbrio necessário entre o pragmatismo político e a urgência climática. Ele deixa claro: as soluções para a crise já existem, mas não foram implementadas em escala, seja por inércia, medo, ou por escolhas corporativas deliberadas.
Ao mirar o setor privado, o texto alerta contra o que poderíamos chamar de “ambição performática” — aquela que aparece em campanhas publicitárias, relatórios ESG e painéis de eventos, mas que pouco altera o modelo de negócios na prática. O recado é direto: quem continuar no jogo de cena, será cobrado — pelos mercados, pela sociedade e pela história.
2ª Carta: Transição climática sem justiça é retrocesso
A segunda carta mergulha mais fundo: a transição ecológica que o mundo precisa não pode ser liderada apenas por CEOs ou ministros. Ela exige um pacto coletivo, com participação ativa das comunidades vulnerabilizadas, da sociedade civil e das vozes historicamente silenciadas.
Corrêa do Lago enfatiza que o protagonismo empresarial só faz sentido quando vem acompanhado de redistribuição de valor, inclusão territorial e coerência nas práticas. No Brasil, muitas empresas que se dizem protagonistas da sustentabilidade ainda operam com cadeias de suprimento predatórias, dependência de combustíveis fósseis e financiamento de lobbies regressivos. A carta desafia essa dissonância: ou as empresas evoluem de forma estrutural, ou serão parte do problema.
3ª Carta: O Brasil como potência de soluções climáticas
Na terceira carta, lançada em maio de 2025, o tom é afirmativo e desafiador. O Brasil, diz Corrêa do Lago, não pode mais ser coadjuvante. Temos matriz energética limpa, capacidade agrícola, conhecimento científico e capital natural. O que falta é coerência entre potencial e ação coordenada.
O texto clama por um setor empresarial que rompa com o greenwashing e assuma compromissos verificáveis: metas baseadas na ciência (SBTi), transparência total no uso de dados, e integração com frameworks como o TNFD e o TCFD. A transformação climática, para acontecer, precisa sair dos comunicados de imprensa e entrar no centro da estratégia empresarial.
E as empresas brasileiras? Avanços, sim — mas ainda tímidos frente à urgência
É preciso reconhecer: há iniciativas relevantes em curso. Empresas como Natura, Grupo Heineken, Boticário, Klabin e outras vêm demonstrando vontade de inovar em modelos mais sustentáveis. Surgem hubs de inovação climática, parcerias com universidades, investimentos em bioeconomia e compromissos públicos de descarbonização.
Mas, se olharmos o todo, o cenário ainda é marcado pela lentidão, pela assimetria e pela superficialidade. A maioria das grandes empresas brasileiras não divulga suas emissões de escopo 3, não tem metas atreladas à ciência, e, em muitos casos, não compreende plenamente o que significam as NDCs brasileiras — que incluem:
- Redução de 48,4% das emissões até 2025
- Neutralidade climática até 2050
- Desmatamento ilegal zero até 2028
No ritmo atual, não vamos alcançar essas metas. E isso tem implicações geopolíticas, econômicas e morais.
As cartas da COP30 não pedem opinião. Exigem posição.
O que André Corrêa do Lago oferece com suas três cartas é um espelho. Nele, o setor privado brasileiro precisa se encarar — e decidir que papel quer desempenhar: o de protagonista da transição ou o de cúmplice do colapso.
O tempo da ambiguidade acabou. Em 2025, em Belém, o Brasil estará no centro dos holofotes. A COP30 será lembrada como o marco de uma virada — ou como mais uma oportunidade perdida. E o setor empresarial brasileiro precisa decidir, com urgência, de que lado da história quer estar.
Porque o futuro não vai esperar. E a credibilidade climática se constrói com ações — não com PowerPoints.