Charge de Brum
Artigo
Por – Marina Amaral, Diretora Executiva da Agência Pública / Neo Mondo
O mais recente atentado de Jair Bolsonaro contra a educação brasileira revela não apenas o autoritarismo do presidente da República, mas seu ódio a qualquer forma de acesso ao conhecimento sem as amarras ideológicas que sua cabeça estreita impõe. Os exemplos são muitos – da censura a professores e escolha pessoal de reitores; do desinvestimento no ensino ao corte de verbas para a produção científica; da perseguição de cientistas à difamação de jornalistas. Sem falar na empenhada difusão de mentiras por parte do governo, a começar pelo falso tratamento precoce da Covid-19, que tanto prejuízo trouxe à população.
O caso do Enem, porém, surpreende pela desfaçatez com que a cúpula do Inep e do Ministério da Educação atuaram, como revelaram alguns dos 37 servidores que pediram exoneração pelo assédio (inclusive com uma inexplicada visita de um policial federal ao “ambiente seguro” do Inep) e censura no conteúdo das provas. Segundo eles, o diretor de Avaliação de Educação, Anderson Oliveira, que obedecia ao presidente do Inep, Danilo Dupas, chegou a cortar mais de 20 questões da prova (aliás, pela primeira vez impressa para circular entre as autoridades). Que questões eram essas? “Que envolvem conhecimentos do contexto sócio-político, sócio-econômico, são questões que tratavam principalmente da história recente do país, recente aí dos últimos 50 anos”, respondeu um dos servidores ao repórter do Fantástico, no domingo. No Enem do ano passado, já não havia qualquer pergunta sobre a ditadura militar.
A atuação contra o Inep começou no início do governo Bolsonaro, como descreve a ação civil pública aberta por entidades da educação na quarta-feira (17) pedindo o afastamento de Danilo Dupas, o quarto presidente do instituto desde 2019. Ao indicá-lo para o cargo, já em pleno desmonte do órgão, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, pediu que Dupas fizesse uma gestão “em consonância com a visão educacional do senhor presidente da República”. De lá para cá, o órgão sofreu diversas investidas autoritárias do atual presidente.
“Dupas tentou intervir na elaboração da prova do Enem de uma forma nunca antes vista. Em maio, a cúpula do Inep quis impor uma “lista paralela” de professores para montar a prova, da qual faziam parte figuras ligadas ao movimento bolsonarista ‘Docentes pela Liberdade’ e a escolas evangélicas. Após uma reação forte dos servidores, a lista acabou sendo engavetada e a prova ficou pronta, em setembro, sem maiores transtornos”, relatou o repórter Luigi Mazza na revista piauí na semana passada.
Não sabemos qual será o peso da conspiração do governo contra os técnicos da educação na prova que é a maior porta de entrada para universidades em todo o país e começará no próximo domingo. O fato é que além deste ser o Enem com menor número de inscrições desde 2005, também registrou uma queda de 52% na adesão de estudantes negros (!!!!) e de 31% entre os que vieram de escolas públicas (31%) em relação ao anterior. Como disse o ministro da Educação, na visão do governo, “universidade deveria ser para poucos”.
Na outra ponta do conhecimento, o da ciência aplicada, o governo também já havia feito um estrago bonito no Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, pelo desejo de interferir não apenas nos órgãos técnicos, mas nos fatos. Depois de um processo de desmonte do órgão – semelhante ao que foi feito no Inep -, que culminou na demissão do cientista Ricardo Galvão, o governo fingiu que o relatório do Inpe sobre o desmatamento da Amazônia, concluído em agosto de 2021, não existe. Como revelou o repórter Rubens Valente, no UOL, o governo escondeu o relatório e afirmou ignorar os dados durante a COP-26. Mentira de pernas curtas: ontem o Inpe finalmente divulgou o Prodes 2021 (veja matéria AQUI), que traz a estimativa da taxa de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira. O valor estimado foi de 13.235 km2 de corte raso no período de 01 agosto de 2020 a 31 julho de 2021, o que representa um aumento de 21,97% em relação à taxa de desmatamento apurada em 2020, que já era muito alta.
Mais uma catástrofe anunciada no país que baniu a democracia e encarcerou a razão.
Imagem – Divulgação